Folha de S.Paulo

Blocos e desfiles do Rio de Janeiro se armam para a folia da redenção

Já repleta de batuques a um mês da festa, cidade terá a maior estrutura de sua história na região do centro

- Júlia Barbon VEjA VÍDEO QUE MOSTRA OS PREPARATIV­OS PARA O CARNAVAL CARIOCA youtube.com/folha F

rio de janeiro O ar na garganta vai fluir livre pelas ruas e avenidas do Rio de Janeiro sem medo de encontrar gotículas contaminad­as ou precisar ser consumido com campanhas políticas. É o que espera quem vive de Carnaval não só nos quatro dias de fevereiro.

“Esse ano vai ser o grito mesmo de liberdade”, diz Clayton Fraga, 31, que compra e adorna as fantasias da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis.

A menos de um mês da folia, a cidade que respira samba e cultura de rua já está repleta de batuque, com centenas de ensaios de blocos e escolas espalhados se preparando para receber 5 milhões de pessoas, público maior do que em 2020.

Assim como em outros destinos carnavales­cos do país, aquele foi o último ano em que a festa de rua aconteceu

oficialmen­te, com autorizaçã­o aos cortejos, equipes de segurança pública, banheiros químicos e postos médicos.

Em 2022, só o espetáculo da Sapucaí foi permitido, mas fora de época, em abril, sob a ameaça da variante ômicron. Mesmo assim, a cidade viveu dois pequenos carnavais um tanto clandestin­os, com músicos e foliões que perambular­am pelo asfalto do centro.

“Havia uma demanda reprimida

e muita gente acabou frequentan­do a rua”, diz o pesquisado­r Victor Belart, autor do livro “Cidade Pirata” (ed. Letramento). “Agora, porém, além de o Carnaval reafirmar seu tamanho, será o retorno de alguns dos blocos tradiciona­is.”

Os principais deles, os megablocos, terão lugar próprio para acontecer, com revista policial. Mais de 100 mil pessoas devem passar a cada dia pela avenida Presidente Antônio Carlos, na região central, seguindo os trios elétricos de Preta Gil, Anitta, Ludmilla, Monobloco e Cordão da Bola Preta.

O município promete a maior estrutura de sua história. “Está tudo praticamen­te pronto. Vai ser o maior estafe de todos os órgãos de todos os carnavais”, diz Ronnie Costa, presidente da Riotur.

A logística inclui, por exemplo, fazer com que mais de 450 desfiles cadastrado­s não se cruzem. Para facilitar a vida do folião, a cidade lança um aplicativo em português, inglês e espanhol com georrefere­nciamento e filtros para busca por bairro, data e horário.

Será a primeira vez também que mais cortejos passarão pelo centro comercial do que pela zona sul turística, a fim de democratiz­ar e não atrapalhar a dinâmica urbana. As duas regiões concentram os principais blocos, mas em número quem ganha mesmo é a zona norte.

É ali que acontece ainda o “Carnaval do povo”, na avenida Intendente Magalhães, que neste ano será transforma­da numa pequena Sapucaí para receber a terceira divisão das escolas de samba —preservand­o a gratuidade e o lugar para o churrasqui­nho.

O próprio Sambódromo da Sapucaí também será modernizad­o. As luzes coloridas que dão efeito aos desfiles, testadas no ano passado, agora serão fixas, e haverá maior rigor para evitar que o som dos camarotes vaze e que muita gente se aglomere na pista, polêmicas do último espetáculo.

Nos hotéis, as reservas já estão quase cheias, e a expectativ­a é chegar a 100% de ocupação, contribuin­do para uma movimentaç­ão de cerca de R$ 5 bilhões na cidade. Mas a ânsia pela festa deste ano inclui outro fator —o político.

Por quatro anos, foliões e a comunidade engajada no Carnaval carioca pediram “fora, Bolsonaro” entre uma marchinha e outra. Agora encaram a folia como comemoraçã­o.

Pablo Beato, 34, solta um grito ao ouvir o nome do expresiden­te. “O Carnaval para a gente começou depois das eleições. Tudo melhorou, o clima ficou mais leve. Nós, agentes de cultura, fomos marginaliz­ados”, afirma o diretor do bloco Me Enterra na Quarta.

“É o Carnaval da volta à nossa liberdade”, diz a veterinári­a Juliana Rosseto, 40, que sairá pela primeira vez no cortejo.

O pesquisado­r Victor Belart analisa que, não importa o o contexto, a festa sempre será, por essência, política: “O Carnaval é muito maior do que a pandemia e do que o Bolsonaro. É uma entidade secular que resiste a muitos processos históricos de pé”.

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Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress Foliões no bloco de rua Amores Líquidos, que saiu em abril do ano passado no Rio de Janeiro
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Integrante da escola de samba Acadêmicos do Grande Rio

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