Fernanda Porto renasce em disco no qual regrava jovens como Jão
Cantora lembrada pelo drum’n’bossa se volta para a voz e o piano na busca pelo essencial em ‘Contemporâne@’
Leonardo Lichote
rIo de JaNeIro No fim dos anos 1990, Fernanda Porto participava de reuniões de um pequeno grupo de compositores e produtores interessados em música eletrônica e na novidade do drum’n’bass. Todos mostravam as experiências sonoras que estavam criando. Ou melhor, quase todos. “Eu tinha medo, as minhas coisas não eram nem canção nem música eletrônica”, diz ela.
O que a cantora, instrumentista e compositora estava gestando ali desembocaria em “Sambassim”, misto de drum’n’bass e bossa nova que no início dos anos 2000 se tornou o símbolo maior do gênero drum’n’bossa. O temor de Porto não era à toa. Ela tinha em mãos algo realmente diferente do que se ouvia então.
Em vez de causar estranheza, a originalidade foi abraçada. Seu primeiro disco vendeu mais de 100 mil cópias, entrou em dezenas de coletâneas, sua versão de “Só Tinha de Ser com Você”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, fez parte de trilha sonora de novela.
Sucesso marcante, para o bem e para o mal. Vinte anos depois, quando ela se prepara para lançar o álbum “Contemporâne@”, não é absurdo ouvir reações de quem nota que é um disco de voz e piano.
“Mas Fernanda Porto não é aquela do drum’n’bossa?”, podem ser perguntar. “A carreira deu uma desandada”, diz ela, que desde o início trabalha compondo e produzindo trilhas sonoras. “Antes de ‘Sambassim’ produzia meus shows com o dinheiro das trilhas. Quando tinha uma grana boa, formava uma banda legal e ia para a rua.”
“Contemporâne@” é uma experiência bem-sucedida em mapear a produção contemporânea. Estão reunidas ali 11 músicas de jovens compositores como Jão, com “Olhos Vermelhos”, Paulo Vieira, César Lacerda, Bemti, Nina Oliveira, Mallu Magahães, Chico Chico, Castello Branco e outros.
Na voz e no piano de Porto as canções têm suas belezas realçadas —ou até reveladas.
O projeto nasceu em conversas de Porto com o amigo Zé Pedro, dono da Joia Moderna, sua gravadora, ao perceberem que compartilhavam o entusiasmo pela produção atual da música brasileira.
“Ouvir os novos é saúde”, diz a cantora, que tem “umas 20 playlists de artistas dessa geração” e vê o formato voz e piano como “transparente”, por “assegurar que as canções carregam algo de novo em essência”.
O caminho que vai de “Sambassim” a “Contemporâne@” é exemplar das armadilhas do mercado fonográfico. Na verdade, elas começam bem antes da onda drum’n’bossa impulsionada por “Sambassim”.
“Em 1994, estava acertado que eu lançaria um disco pela Polygram [hoje Universal]. Um empresário um dia me ligou perguntando ‘quanto você mede?’. Era pra fazer um teste para ser Carmen Miranda num musical da Broadway. Era uma puta grana, mas eu recusei. Não tinha nada a ver com o que eu queria fazer. O disco nunca saiu.”
“Sambassim”, aliás, não foi abraçada de primeira. Antes de a gravadora Trama se interessar, Porto diz que mandou seu CD demo para várias gravadoras. Foi ignorada. “Contratei um corretor de imóveis para ligar para as gravadoras e perguntar se eles tinham ouvido. Ninguém quis saber.”
Em 2003, uma disputa entre gravadoras tirou uma oportunidade de Porto turbinar sua carreira. Ela foi convidada para fazer uma versão eletrônica de “Sucesso, Aqui Vou Eu”, que Rita Lee lançou no disco “Build Up”, de 1970. Sua gravação seria o tema da novela “Celebridade”, de Gilberto Braga.
“Rita ouviu e adorou. Como meu primeiro álbum tinha chegado a 100 mil cópias, João Marcelo [Bôscoli, sócio da Trama] pediu autorização à Som Livre para pôr a música numa edição comemorativa do disco. A Som Livre não deixou, João Marcelo acabou não me liberando. Tiraram a música da trilha.”
Um tempo depois, Porto saiu da Trama para a EMI, onde gravou o DVD “Fernanda Porto ao Vivo”, de 2006. Fez como queria, com cordas e metais. “Queria mostrar que eu adoro músico”, diz, aos risos. Mas nem tudo foi como desejava. “Logo depois do meu DVD, a EMI quebrou. Quando lancei ‘Auto-Retrato’, eles não tinham dinheiro para pagar a capa. Sonhei com a história de um autorretrato, fiz uma canção com isso e virou a faixa-título.”
Seu disco seguinte, “Corpo Elétrico e Alma Acústica”, saiu em abril de 2020, junto com a pandemia. Porto, porém, não vê com amargura os descaminhos de sua carreira. “Sempre fui pé no chão. Fui expulsa de casa por fazer música.”
Ela, porém, reconhece sua contribuição à música nacional. “Fiquei feliz de ver que depois do meu trabalho artistas como Vanessa da Mata fizeram sucesso com versões eletrônicas, Djavan lançou ‘Na Pista’, [com gravações dançantes de seus sucessos].”
“Estudei eletrônica na música pop e na erudita. Nos anos 1990, fazia uns shows-workshops no Sesc sobre Midi. Mas também levei um piano de cauda para o Skol Beats em 2003”, diz. “Mas é engraçado ver que ainda existe uma expectativa de artistas que me convidam pra produzir os trabalho deles, uma esperança de que eu chegue com a batida perfeita.”
Contemporâne@
Artista: Fernanda Porto. Dir.: DJ Zé Pedro. Gravadora: Joia Moderna Discos. Disponível nas plataformas de streaming