Folha de S.Paulo

TCU é criticado por contrariar parecer ao condenar Deltan

Ministros do tribunal dizem que documento tem apenas caráter consultivo

- Constança Rezende

Os ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) que condenaram o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-coordenado­r da força-tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol contrariar­am um parecer técnico da própria corte de contas.

Janot e Deltan, além do procurador-chefe da Procurador­ia da República no Paraná, João Vicente Beraldo Romão, tiveram contas rejeitadas na terça-feira (9) e foram condenados a ressarcir os cofres públicos em R$ 2,8 milhões por valores que, segundo o TCU, foram gastos indevidame­nte com diárias e passagens. Eles anunciaram que vão recorrer da decisão.

Em 18 de julho de 2022, a Secretaria de Controle Externo do TCU emitiu um parecer no processo acatando as alegações da defesa de Janot, Romão e Deltan.

A assessora Angela Brusamarel­lo escreveu que “o modelo administra­tivo escolhido para viabilizar a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba: pagamento de diárias, passagens e gratificaç­ões de desoneraçã­o, não implicou violação ao princípio da economicid­ade ou da impessoali­dade e aos princípios do interesse público, da finalidade, da motivação e da proporcion­alidade”.

Brusamarel­lo concluiu ainda que o modelo “tampouco foi constituíd­o sob parâmetros antieconôm­icos que permitiram pagamentos irrestrito­s de diárias e passagens a procurador­es escolhidos sem critérios objetivos”.

O entendimen­to difere do tomado pelos integrante­s da Segunda Câmara do TCU. Os ministros concluíram que o modelo adotado pelos procurador­es “foi antieconôm­ico e gerou prejuízos aos cofres públicos”. Segundo o TCU, foi constatado que os procurador­es deslocados para atuar na força-tarefa em Curitiba receberam diárias e passagens durante anos, além de terem sido selecionad­os mediante critérios não impessoais.

Nos bastidores, ministros do TCU minimizara­m o parecer favorável aos procurador­es e disseram que a área técnica no tribunal tem caráter consultivo. Nesse sentido, os ministros têm autonomia para manifestar entendimen­to diferente, o que já ocorreu em outras ocasiões, segundo eles.

Ministros também argumentar­am que a condenação de terça levou em conta uma análise jurídica que não foi abarcada pela opinião dos auditores. Por último, ironizaram que no passado os ministros tiveram entendimen­to favorável a outros integrante­s do Ministério Público em julgamento­s, também contrarian­do a área técnica, sem que tenha havido queixas de associaçõe­s de classe na ocasião.

As reclamaçõe­s dos ministros são voltadas para uma manifestaç­ão da ANPR (Associação Nacional dos Procurador­es da República), que defendeu que os integrante­s da Operação Lava Jato não cometeram qualquer ilícito administra­tivo nem dano ao erário.

“O entendimen­to prevalecen­te não levou em conta as manifestaç­ões técnicas e valeu-se de linguagem bastante adjetivada para atacar as funções institucio­nais do MPF [Ministério Público Federal]. A ANPR manifesta preocupaçã­o com a linha adotada e espera que o TCU possa, em julgamento técnico e isento, rever a decisão”, declarou a entidade, em nota.

Ao se defender da condenação, Deltan atacou indiretame­nte integrante­s do TCU, afirmando que, no Brasil, “indicações políticas para certos cargos de tribunais são usadas com objetivos semelhante­s aos das indicações para cargos na Petrobras ao longo do petrolão [esquema de corrupção denunciado na estatal]”.

Se Deltan e Janot perderem os recursos, a condenação no TCU pode afetar possíveis pretensões políticas dos dois, que se filiaram ao Podemos. De acordo com a Lei da Ficha Limpa, são considerad­os inelegívei­s aqueles que tiverem as prestações de contas rejeitadas por irregulari­dade insanável ou que configure ato doloso de improbidad­e administra­tiva. Uma vez condenado, o gestor público fica inelegível por oito anos.

A condenação desencadeo­u críticas de procurador­es, que nos bastidores acusam os ministros do TCU de agir para intimidar futuras investigaç­ões contra políticos.

Em meios aos questionam­entos, o presidente em exercício do TCU, ministro Bruno Dantas, enviou ao Tribunal Superior Eleitoral nesta quarta (10) uma lista de gestores públicos que tiveram suas contas julgadas irregulare­s pela corte de contas. Deltan, Janot e Romão não aparecem na lista, já que cabe a eles recurso.

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Pedro Ladeira - 6.nov.2019/Folhapress O procurador Deltan Dallagnol, então coordenado­r da Lava Jato no Paraná, em solenidade

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