Folha de S.Paulo

Lula e Bolsonaro não podem ser considerad­os dois extremos

- Joana Cunha painelsa@grupofolha.com.br

Rosangela Lyra, exchefe da Dior no Brasil, que militou no movimento Vem Pra Rua, fez campanha pela Lava Jato e hoje defende a eleição de Lula para derrotar Bolsonaro, diz que o empresaria­do está em compasso de espera. A esperança da terceira via murchou.

Segundo Lyra, a decisão de apoiar Lula depois de combatê-lo foi um processo que aconteceu em nome da democracia. “Não são dois candidatos comparávei­s. Não são dois extremos”, diz.

A empresária, que há quase uma década criou o movimento Política Viva, que administra uma série de grupos de Whatsapp para discutir política, diz que o debate mudou. “Nesses últimos anos, em que começamos a viver um pesadelo, não dá mais para não opinar, não se manifestar.”

*

A sra. vem acompanhan­do a política há anos e tem sido uma ativista no empresaria­do. Tem algo novo sendo preparado?

Não. Acho que estamos no momento do compasso de espera. Precisamos entender para onde estamos indo, com essas ameaças constantes, essa crescente inseguranç­a e instabilid­ade.

Ao mesmo tempo, estamos vendo a campanha do Lula, qual é o papel do Alckmin, se caminha mais para o centro. Tem toda essa espera de isso se definir para ver qual o próximo passo a tomar.

Tem a ver com a indefiniçã­o da terceira via?

Algumas pessoas têm esperança, mas quando eu converso, vejo cada vez menos. Embora o Doria tenha ficado mais viável. Não é impossível, mas vai ser difícil. Acho que essa inação momentânea do empresaria­do é mais em função disso.

E tem aqueles que vão continuar com Bolsonaro, que se identifica­m com as bandeiras dele, os conservado­res que sofreram mais forte a lavagem cerebral de ódio ao PT.

Esses vão continuar, pode fazer o que for, contanto que não mexa na sua renda e no seu estilo de vida, eles vão continuar, mesmo com atrocidade­s, barbaridad­es e corrupção que existe nesse governo. Existe uma dificuldad­e, ou má vontade, de se enxergar corrupção, rachadinha, tráfico de influência, cheque, mansão, peculato, tanta coisa.

A sra., que tem um histórico de apoio ao PSDB, como analisa a trajetória da candidatur­a do Doria?

Eu nunca fui filiada a nenhum partido. Me identifica­va mais com o PSDB e me identifico com o Alckmin. Existe um ódio ao Doria que não consigo entender. Ele teve questões que desapontar­am os eleitores, como a saída da prefeitura, o apoio a Bolsonaro, em 2018, dando as costas ao padrinho político.

E essas prévias são sempre positivas porque você tem a oportunida­de de não ser imposição dos caciques, traz discussão, coloca o partido em evidência. Mas virou um grande imbróglio. São movimentaç­ões ruins para o partido e para o candidato que fica.

A sra. se posicionou sobre a disposição de apoiar Lula. Como foi esse processo? E quando conversa sobre isso com empresário­s, o que ouve?

Em prol de defender o país, a democracia, a liberdade, o Estado democrátic­o de Direito, é deixar diferenças para traz, apoiar candidato mesmo que não haja uma afinidade de vida. Eu sempre combati o Lula. Sempre fui muito voltada ao combate à corrupção. Em 2005, eu ia às ruas contra o mensalão. Éramos 50 gatos pingados no vão do Masp. Sempre fui ativa.

Quando eu me manifestei [em apoio a Lula para 2022] teve muita repercussã­o. Eu tenho 10 mil contatos no Whatsapp. Pessoas com quem eu já não falava há tempos me procuraram. Alguns falaram que entendiam a minha opinião, mas não tinham coragem de se posicionar, outros não tinham se decidido ainda. Poucos criticaram.

A sra., que há anos faz gestão de grupos de Whatsapp sobre política, o que achou de Elon Musk comprando Twitter?

No começo fiquei um pouco preocupada. Mas pareceu que não iria intervir no dia a dia, pelo menos não no primeiro momento. Acho que ele não vai brincar com isso nem fazer acionista perder dinheiro. Ele pode ter algumas caracterís­ticas esquisitas, mas não bate tambor para louco dançar.

E isso levantou debate sobre liberdade de expressão. O que acha?

Usar liberdade de expressão para justificar determinad­as coisas é subterfúgi­o. Há limite para tudo. Quando se usa esse direito para violar garantias estabeleci­das pela Constituiç­ão, isso não pode ser liberdade de expressão. Intimidade, vida privada, honra, imagem das pessoas, são coisas inviolávei­s.

Como pensa a gestão desses espaços de redes sociais?

[No Política Viva], são grupos de Whatsapp com formadores de opinião, lideranças das mais diversas áreas e lugares do país. Sempre procurei ser extremamen­te imparcial, deixar o outro chegar às conclusões por si mesmo, fazendo perguntas para as pessoas pensarem. O Política Viva foi criado com pilares como combater fake news, trocar informação e trazer a política para perto da sociedade. Foi criado em 2013 e, em 2020, virou o Instituto Política Viva.

Eu era muito didática. Agora, as pessoas que participam já têm esse conhecimen­to. Nesses últimos anos, em que começamos a viver um pesadelo na economia, na saúde, na educação, não dá mais para não opinar, não se manifestar.

[Lula e Bolsonaro] Não são dois candidatos comparávei­s. Não são dois extremos. PT não é extrema esquerda, nunca foi, muito menos radical. O Lula respeita a democracia. Respeitou a decisão, foi preso. Dilma aceitou o impeachmen­t, sem ameaça de golpe. Hoje, tem ameaça todo dia.

Raio-x

Depois de criar o movimento Política Viva, há cerca de dez anos, a empresária fundou o Instituto Política Viva, em 2020. Também é presidente da Associação Comercial Jardins e Itaim e foi presidente da Dior no Brasil por 28 anos

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil