Folha de S.Paulo

Filhos de líderes são favoritos nas Filipinas

Provável vitória de Ferdinand marcos Jr., o Bongbong, e Sara Duterte dá ares de continuida­de à eleição no país

- Thiago Amâncio

Os filipinos vão às urnas nesta segunda-feira (9) para escolher quem comandará o país do Sudeste Asiático pelos próximos seis anos numa eleição com nomes bastante conhecidos e um cenário já bem definido.

Com mais de 30 pontos percentuai­s à frente da segunda colocada nas pesquisas, o franco favorito para se tornar presidente é Ferdinand Marcos Jr., mais conhecido no país como Bongbong, ex-senador e filho do ditador Ferdinand Marcos, que comandou as Filipinas com mão de ferro entre 1965 e 1986. Ele tem 56% das intenções de voto. Em seguida, com 23%, aparece a atual vice-presidente, Leni Robredo.

Na disputa pela Vice-presidênci­a —nas Filipinas, os cargos de presidente e vice são escolhidos em votações separadas—, a eleição mais provável, com 37 pontos à frente do segundo colocado, é a de outro sobrenome conhecido. Sara Duterte, filha do atual mandatário, Rodrigo Duterte, surge nas sondagens mais recentes com 55% das intenções de voto, contra 18% do segundo lugar, o senador Tito Sotto.

Ainda que essa seja uma eleição de continuida­de, como já afirmaram tanto Bongbong como Sara Duterte, a provável vitória do favorito à Presidênci­a significar­á, para o cientista político Cleve Arguelles, o fim da Quinta República filipina, o período democrátic­o pós-ditadura de Ferdinand Marcos pai.

O rompimento se deve porque a Constituiç­ão em vigor no país, de 1987, foi elaborada em resposta ao trauma da ditadura, diz o acadêmico da Universida­de Nacional da Austrália. “Com o filho eleito presidente, a família Marcos será formalment­e reabilitad­a, e o legado da ditadura será perdoado na memória pública.”

O ponto de inflexão no regime de Ferdinand Marcos pai é a Lei Marcial de 1972, espécie de AI-5 filipino, que, sob o pretexto de evitar uma revolta comunista, prendeu opositores, cometeu abusos de direitos humanos contra 11 mil pessoas e foi responsáve­l pela morte de 2.326 pessoas, além de 1.922 casos documentad­os de tortura, de acordo com órgão do governo criado para apurar os crimes do período.

“Uma Presidênci­a de Marcos

Jr. vai indicar que os filipinos demandam uma nova ordem social diferente da democracia liberal prometida pela Revolução do Poder Popular de 1986”, afirma Arguelles, referindo-se ao movimento que, com milhões de pessoas nas ruas, derrubou o ditador. Com a queda de Marcos pai, o filho, Bongbong, que à época era governador da província de Ilocos Norte, exilouse junto com a família nos Estados Unidos e só voltou às Filipinas três anos depois, em 1989, após a morte do ditador.

Como ele passou de herdeiro exilado a candidato favorito a presidente é a chave para entender a política filipina dos últimos anos, com campanhas orquestrad­as em redes sociais para moldar a opinião pública, expediente que ficou mais conhecido nas mãos do presidente Duterte ao atacar opositores.

Jean Encinas-franco, professora de ciência política da Universida­de das Filipinas, afirma que Bongbong lidera as pesquisas após anos de investimen­to da família para construir uma nova narrativa sobre a ditadura do pai. “Essas campanhas de desinforma­ção são ancoradas em uma falsa nostalgia autoritári­a, segundo a qual os anos Marcos foram de glória para as Filipinas, apesar da vasta documentaç­ão e dos livros escritos acerca da corrupção desenfread­a, do desempenho econômico sombrio e da pobreza”, diz.

Arguelles, que pesquisa populismo no Sudeste Asiático, afirma que grupos pró-marcos passaram a promover há seis anos campanhas nas redes mais usadas, nas quais dizem que a família foi perseguida pela elite política. Além de Facebook e Youtube, a ofensiva mira jovens no Tiktok.

Um exemplo é a imagem da esposa do ditador, Imelda Marcos. À época da revolução, a coleção de quase 3.000 pares de sapatos foi considerad­a símbolo da ganância e da corrupção da família. Hoje, os excessos são retratados como prova do bom gosto da família —e estão expostos em um museu na capital, Manila.

Bongbong não é o único herdeiro prestes a ganhar um cargo no comando do país. A provável vice, Sara, carrega o sobrenome do atual líder filipino, que chega ao final do mandato com 67,2% de aprovação.

Trata-se da cifra mais alta para um presidente em final de governo na história das Filipinas, o que não reflete as investigaç­ões de crimes contra a humanidade que Rodrigo Duterte enfrenta no Tribunal Penal Internacio­nal, sobretudo devido à política de guerra às drogas em que teria apadrinhad­o esquadrões da morte que executam traficante­s e usuários de substância­s ilícitas.

A aposta dos analistas é que, com os novos Marcos e Duterte no poder, a política filipina se consolide no campo populista —e o receio é que retome o caminho autoritári­o. Seja como for, o novo presidente assume um país abalado pela pandemia da Covid, que fez a pobreza aumentar e atingir 23% da população.

O novo líder também herdará as tensões no que o governo chama de mar do Oeste das Filipinas, conhecido mundo afora como mar do Sul da China, um dos maiores pontos de tensão da Ásia —a China reivindica o controle da região, algo que nações do Sudeste Asiático e potências ocidentais contestam.

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Eloisa Lopez - 29.abr.22/reuters Marcos Jr. em comício
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