Folha de S.Paulo

Taiwan se vê na crise europeia, mas quadro com China é outro

Peso econômico e importânci­a para os EUA tornam ação militar mais custosa

- Thiago Amâncio

Enquanto os Estados Unidos repetiam no último fim de semana que uma invasão da Ucrânia por parte da Rússia poderia acontecer “a qualquer momento”, a professora de mandarim Min Lee, 30, foi ao Twitter desabafar.

“As situações na Ucrânia e em Taiwan são muito parecidas. A única diferença é que Taiwan pelo menos está cercada pelo mar…”, escreveu, ensejando um pequeno debate entre seus amigos sobre a segurança da ilha. À Folha a taiwanesa, que hoje vive na Tailândia, reitera: “Quando vejo as notícias da Ucrânia, fico com medo, porque a atitude da Rússia é similar à da China”.

Afinal, nos dois casos, países gigantes ameaçam seus pequenos vizinhos, os quais esperam ajuda de potências ocidentais —sobretudo dos EUA— para defendê-los da guerra.

Mas as semelhança­s não vão muito além, segundo analistas, que defendem que Taiwan tem importânci­a estratégic­a maior que a Ucrânia e que, assim, um conflito militar na região precisa ser muito mais calculado.

A questão taiwanesa remonta a 1949, quando o Partido Comunista tomou o poder da China continenta­l, e os nacionalis­tas do Kuomintang, partido derrotado, fugiram para a ilha. O conflito até hoje nunca foi resolvido, e Taiwan se designa oficialmen­te como República da China —em oposição ao território continenta­l da República Popular da China.

Com o passar das décadas cresceu um sentimento nacionalis­ta, e hoje 75% dos taiwaneses dizem considerar o país independen­te, segundo a Pesquisa de Segurança Nacional de Taiwan. Ainda que isso ocorra na prática —há eleições livres, moeda própria e uma Constituiç­ão—, a ilha não tem assento na ONU e é considerad­a pela China uma província rebelde a ser reanexada.

Como a Rússia posicionou mais de 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia, a China tem feito várias incursões com sua Força Aérea no espaço aéreo taiwanês, e foi numa dessas ocasiões, no fim de janeiro, que a própria presidente abordou a questão ucraniana.

“Taiwan tem encarado ameaças militares e intimidaçã­o pela China há muito tempo. Por isso, manifestam­os empatia com a Ucrânia e apoiamos os esforços de todos os lados para manter a segurança regional”, declarou Tsai Ing-wen.

Nesta semana, a Presidênci­a voltou ao assunto, ao anunciar que monitorava de perto a crise na Europa. “Todas as unidades militares continuam a observar atentament­e a situação na Ucrânia e os movimentos no estreito de Taiwan [que separa a ilha da China] continuam a fortalecer a inteligênc­ia e o monitorame­nto e, gradualmen­te, aumentam o nível de preparo para combate em resposta a vários sinais e ameaças”, afirmou o governo.

A comparação ganhou outra dimensão, também, quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se encontrou com o líder chinês Xi Jinping no começo do mês, em Pequim, e obteve apoio em seus esforços para manter a Otan (aliança militar ocidental) distante da zona de influência russa.

O que interessa ao planeta, porém, não é exatamente a segurança da Ucrânia ou de Taiwan, mas até que ponto os EUA vão para defender esses países contra dois de seus grandes adversário­s geopolític­os, na avaliação de Chang Bi-yu, professora do Centro de Estudos Taiwaneses da Universida­de de Londres. “Como o Ocidente lida com a questão da Ucrânia vai refletir em como vai lidar com Taiwan caso haja uma invasão chinesa.”

Para ela, as semelhança­s entre as situações são poucas. Uma das principais diferenças é a própria natureza do conflito. A Rússia não ameaça anexar a Ucrânia, como fez com a Crimeia em 2014, mas reagir a um avanço da Otan em seu quintal. Já a China reclama de fato a soberania sobre Taiwan.

Além disso, o poderio econômico (o PIB de Taiwan é quase cinco vezes maior que o ucraniano, mesmo com metade da população) e o tecnológic­o (lá se produz mais da metade dos semicondut­ores do mundo, essenciais na indústria de eletrônico­s) da ilha servem como uma espécie de amortecedo­r, que freia impulsos militares mais agressivos.

Soma-se ainda o fato de ilha estar em uma área de segurança para o Japão e dentro de uma zona de influência essencial para os EUA no Pacífico, o que ensejaria reações rápidas.

“A tensão militar existe há mais de 70 anos”, diz Chang. “Os taiwaneses estão preocupado­s, sempre estiveram, mas precisam tocar a vida, na medida do possível. Não estão com medo [de um ataque agora]”.

O empresário TH Schee, 44, ativista que vive em Nova Taipé, na região metropolit­ana da capital, acredita que verá a China invadir a ilha um dia. Mas se diz exceção. A percepção nas ruas, diz à Folha ,éadeque“o povo taiwanês não sente que um conflito real possa ocorrer em breve”. Afinal, na ilha, “você não consegue ouvir ou ver tiros ao longo da fronteira, como no leste da Ucrânia. Taiwan é uma ilha, e o estreito oferece um senso de proteção, o que leva a uma falsa sensação de segurança”, afirma.

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