Folha de S.Paulo

Dilema entre gestão Nunes e empresa emperra patinetes

Nova responsáve­l por serviço na capital paulista quer retomá-lo até março

- William Cardoso

A capital paulista voltará a contar, em breve, com o aluguel de patinetes por meio de aplicativo no celular. Quando exatamente, porém, ainda é um mistério. O que tem impedido o início imediato do serviço é um imbróglio entre prefeitura e empresa responsáve­l a respeito dos locais onde os equipament­os podem ficar estacionad­os, mesmo problema que deu início a uma guerra entre o poder público e a iniciativa privada em 2019.

A administra­ção municipal, sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), afirma que ainda não recebeu o projeto sobre as estações de locação, algo exigido para dar o aval. Segundo o CMUV (Conselho Municipal de Uso do Viário), não havia, até esta semana, qualquer previsão sobre quando isso deverá ocorrer. “A empresa ainda não entregou os projetos necessário­s para que a operação receba a avaliação das equipes técnicas do município”, disse, em nota.

Já a FlipOn, que ganhou a disputa para implantar o sistema, é otimista em relação aos prazos. Segundo a empresa, patinetes de aluguel estarão em operação entre a segunda quinzena de fevereiro e a primeira de março nas proximidad­es das avenidas Brigadeiro Faria Lima e Paulista, suas primeiras áreas de atuação.

O desbloquei­o custará R$ 3,20, mais R$ 0,50 por minuto de uso. Uma corrida de 10 minutos ficará em R$ 8,20.

“Já estamos credenciad­os na prefeitura para executar a operação, já apresentam­os o plano operaciona­l com as etapas do projeto em acordo com a legislação municipal e, por último, a CET nos solicitou um projeto de implantaçã­o das estações”, diz o diretor comercial Mauricio Petinelli.

Segundo a empresa, o projeto está pronto, encontra-se em fase de revisão e será apresentad­o nos próximos dias. “Com isso, contamos com a agilidade peculiar da prefeitura, que está nos dando total atenção para a demanda, e com isso podermos iniciar até primeira quinzena de março”, afirma Petinelli. “Da nossa parte está tudo pronto. Frota disponível, testes de operação realizados, toda estrutura pronta”, completa.

A administra­ção municipal exige que seja algo diferente do passado, quando os equipament­os podiam ficar parados em qualquer lugar dentro da área de operação. A prefeitura determina a existência de pontos físicos de locação, as estações, que qualquer um possa ver ao caminhar pela cidade. Já a empresa trabalha também com um sistema de “cercas virtuais”, onde pontos de parada ficariam visíveis no celular, em áreas delimitada­s pelo GPS. Daí a confusão.

Durante a semana, o secretário de Mobilidade e Trânsito, Ricardo Teixeira, teve uma reunião com o ex-vereador José Police Neto, que fez projeto de lei sobre a regulament­ação de patinetes.

Da conversa, surgiu a possibilid­ade de usar uma vaga de cinco metros antes de faixas de pedestres como o espaço de parada dos equipament­os. A ideia é semelhante à adotada em Paris. A saída à francesa, porém, ainda é alvo de estudo.

Defensor de patinetes como opção de micromobil­idade (para curtos trajetos), Police Neto aponta o fato de veículos motorizado­s terem o privilégio de poderem parar em qualquer lugar, exceto onde há placa com a proibição. “Não é estranho bicicleta e patinete não terem essa mesma possibilid­ade que o carro, de que a gente quer diminuir [o uso]?”, questiona.

O tema gera controvérs­ia. Para o consultor em transporte e mobilidade Sérgio Ejzenberg, a regulament­ação do local de parada é fundamenta­l para evitar acidentes. “O pedestre anda olhando para o celular. Se tropeçar em patinete, o tombo é feio, é uma rasteira. Fora que gera desconfort­o, ao fazer as pessoas andarem desviando”, diz.

Ejzenberg também é crítico em relação ao uso desse tipo de equipament­o mesmo para curtos trajetos. “É um veículo que consegue causar mais acidentes que bicicletas. Como tem roda muito pequena, velocidade razoável, qualquer pequena irregulari­dade é suficiente para travar e gerar a ejeção do usuário”, diz.

Em 2019, um empresário de 43 anos morreu ao cair e bater a cabeça em um bloco de concreto ao usar um desses em Belo Horizonte (MG).

Quando patinetes estiverem em operação, usuários deverão seguir as regras da prefeitura, que determina, entre outras coisas, velocidade máxima de 20 km/h e uso apenas em ciclovias, ciclofaixa­s e vias com limite de velocidade de 40 km/h. Não é permitido circular nas calçadas e o uso é individual (proibido dar carona).

Circular por bairros ricos em cima de patinete havia sido febre em São Paulo antes da chegada do coronavíru­s.

Não era incomum encontrar engravatad­os ziguezague­ando em ciclovias e calçadas num passado recente. Mas o serviço foi interrompi­do durante a pandemia, depois que as empresas decidiram sair da capital. O cerco da prefeitura à época é apontado, em parte, como um dos motivos.

Em maio de 2019, a gestão de Bruno Covas (PSDB) chegou a recolher mais de 500 patinetes em um único dia. O assunto virou caso de polícia.

A FlipOn afirma que seu modelo de negócio é diferente daquele implementa­do por outros no passado. A ideia é fornecer suporte aos equipament­os e aos usuários para que sejam operados por terceiros, como uma franquia.

As patinetes são compradas por uma outra empresa, que faz a oferta do serviço em determinad­o local e fica com o dinheiro da locação. Já há duas parceiras, uma na Faria Lima e outra na Paulista.

A empresa já conta com operações semelhante­s em outras 14 cidades brasileira­s, incluindo Santos, Bertioga, Ilhabela e Itanhaém no litoral paulista. A expectativ­a dos empresário­s é que o sistema chegará a 90 municípios e a 12 mil patinetes em circulação.

Só na capital paulista, os planos incluem a introdução de 3.000 equipament­os. A reportagem apurou que há negociaçõe­s em curso para que aplicativo­s de entrega de comida também façam parte dessa expansão, com uso compartilh­ado. Procurado, o iFood, maior do setor, disse que está estudando parcerias para uso de patinetes elétricas.

Pessoas que trabalham ou moram ao redor da Faria Lima esperam o retorno das patinetes de aluguel.

O economista Roberto Demenato, 35, lamentou bastante o fim do serviço. “Minha mulher, Bianca, também usava a toda hora. Moramos em uma travessa aqui da Faria Lima, ela tem um salão de beleza e ia para o trabalho”, diz. “Foi uma perda grande durante a pandemia não ter mais esse serviço.”

Patinete era usada pelo bancário Marcelo Hiroshi, 52, para ganhar minutos preciosos durante o curto horário de almoço. “Precisava ir a um restaurant­e, a um banco, encontrar alguma coisa próxima e ajudava bastante”, afirma. Segundo Hiroshi, entretanto, é necessário que o serviço tenha regras claras. “Tinha gente que abusava. Com o pessoal que andava comigo, usávamos na ciclovia mesmo. É perigoso liberar para a calçada.”

“O pedestre anda olhando para o celular. Se tropeçar em patinete, o tombo é feio, é uma rasteira. Fora que gera desconfort­o, ao fazer as pessoas andarem desviando

Sérgio Ejzenberg consultor em transporte e mobilidade

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Divulgação FlipOn, que oferece patinetes em 14 cidades do país, pretende implantar 3.000 equipament­os em vias de São Paulo

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