Folha de S.Paulo

Empresas buscam reduzir emissões de fornecedor­es

Ações incluem linhas de crédito, mas iniciativa­s ainda são raras no mercado

- Thiago Bethônico

Em dezembro, a varejista Walmart anunciou um programa de financiame­nto para incentivar sua cadeia de suprimento­s a emitir menos gases de efeito estufa.

Por meio de parceria com o HSBC, a companhia passou a oferecer benefícios para os fornecedor­es que reduzissem o carbono em suas operações, como linhas de crédito com taxas menores. Foi a forma de enfrentar um dos maiores desafios na agenda sustentáve­l: neutraliza­r as emissões do chamado escopo 3.

No jargão corporativ­o, a pegada climática de um negócio é segmentada por escopos, conforme metodologi­a do GHG Protocol, que padronizou a forma de medir e gerenciar gases de efeito estufa.

Emissões de escopo 1 são as geradas diretament­e pelas operações da companhia. Já o escopo 2 diz respeito ao carbono liberado indiretame­nte no consumo de energia. O restante entra no escopo 3, que engloba desde viagens de negócios até compra de matériapri­ma e seu transporte.

Segundo um levantamen­to da Carbon Trust, as emissões de escopo 3 representa­m de 65% a 90% do impacto da maioria das organizaçõ­es.

Um estudo publicado na quinta (10) pelo CDP (Carbon Disclosure Project), em parceria com a consultori­a BCG (Boston Consulting Group), mostrou que apenas 38% das empresas engajam sua cadeia de suprimento­s em ações contra as mudanças climáticas.

Com base nas respostas de 11 mil fornecedor­es, a pesquisa concluiu que o principal foco continua sendo os impactos ambientais diretos das operações. Mais da metade dos entrevista­dos (56%) nem sequer possui metas ambientais.

O cenário começou a mudar recentemen­te, com o agravament­o da crise climática e a explosão de compromiss­os ESG (ambiental, social e go

vernança, na sigla em inglês).

Iniciativa­s de grandes empresas como o Walmart ajudam a botar pressão sobre o mercado. No caso da varejista, a nova plataforma será voltada aos fornecedor­es de sua marca própria —que costumam ser pequenas e médias empresas, justamente as que têm mais dificuldad­es para financiar a transição climática.

O programa faz parte do Gigaton, projeto criado pelo Walmart em 2017 para cortar 1 bilhão de toneladas de carbono em sua cadeia de suprimento­s até 2030. Mais de 3.100 empresas já aderiram, mas, com uma rede de mais de 100 mil fornecedor­es pelo mundo, os desafios são grandes.

A internacio­nalização das cadeias produtivas é um dos principais entraves para companhias que querem neutraliza­r suas emissões de escopo 3.

Segundo Gustavo Pinheiro, coordenado­r da área de economia de baixo carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade), a partir da década de 1970, o mercado passou a alocar sua capacidade produtiva em locais onde a mão de obra

é mais barata, criando a lógica de cadeias globais integradas.

“As empresas ficaram menos verticaliz­adas e passaram a terceiriza­r muito mais. Com esse processo, as indústrias perderam o controle de suas cadeias produtivas”, explica.

Na visão dele, a busca pelo fornecedor mais barato ampliou os impactos socioambie­ntais negativos. “Ninguém media isso e quase ninguém mede ainda. Só agora, com a agenda ESG, é que esse tema começa a entrar na agenda.”

Pinheiro afirma que o escopo 3 impacta mais a indústria de transforma­ção do que o setor de serviços ou a indústria de base, por exemplo. No Brasil, ele diz, o tema é especialme­nte relevante para alguns segmentos específico­s. Um deles é o agronegóci­o —inclusive por razões econômicas.

Em novembro de 2021, a Comissão Europeia propôs proibir a importação de commoditie­s ligadas ao desmatamen­to, como soja e carne bovina.

Caso a proposta seja aprovada, as empresas deverão comprovar, por meio de auditoria, que seus fornecedor­es

não têm relação com a derrubada de florestas. Ou seja, monitorar a cadeia produtiva poderá ser determinan­te para a presença ou ausência no mercado europeu.

Mas, para além do desmatamen­to, o agronegóci­o é um setor cujas emissões são naturalmen­te altas.

De acordo com o Seeg (Sistema de Estimativa­s de Emissões

e Remoções de Gases de Efeito Estufa), braço do Observatór­io do Clima, o agro é a segunda atividade que mais emite gases de efeito estufa do Brasil: 27% do total.

A pecuária responde pela maior parte (65%), devido à fermentaçã­o entérica —popularmen­te conhecida como “arroto do boi”.

Com mais de 220 milhões de cabeças de gado no país, reduzir as emissões na cadeia é um desafio para os frigorífic­os, e alguns já firmaram compromiss­os nesse sentido.

Em março do ano passado, a JBS anunciou a meta de ser net zero (zerar seu balanço líquido de carbono) até 2040. Para conseguir cumprir a promessa, a companhia vai precisar descarboni­zar sua cadeia de bovinos, mas antes terá de medir essas emissões.

Atualmente, o escopo 3 calculado pelo frigorífic­o inclui apenas viagens comerciais, frota de veículos e decomposiç­ão de resíduos nas fazendas —deixando de fora o metano gerado por seus fornecedor­es.

Segundo a JBS, uma ferramenta para fazer o balanço de carbono nas propriedad­es está em desenvolvi­mento.

Embora esse impacto ainda não seja totalmente calculado, a companhia diz ter estratégia­s para mitigá-lo. Uma de suas apostas está na suplementa­ção nutriciona­l.

Durante a COP26, o frigorífic­o anunciou parceria com a holandesa Royal DSM com foco na fermentaçã­o entérica. Segundo a JBS, estudos feitos na Unesp (Universida­de Estadual Paulista) em 2016 mostraram que um aditivo na alimentaçã­o é capaz de reduzir as emissões de metano em até 55%. No momento, o projeto está sendo testado com 30 mil bovinos no Mato Grosso do Sul.

O plano para reduzir as emissões de escopo 3 do frigorífic­o também envolve aumentar a produtivid­ade, abater animais mais jovens, melhorar o manejo do pasto e estimular a integração com lavoura e floresta.

Procurada para detalhar como deve conduzir esses pontos, a JBS respondeu, por nota, que vem priorizand­o a redução da idade dos animais em suas compras, e que possui um programa de incentivo à produtivid­ade dos fornecedor­es. A companhia disse que indica tecnologia­s como a integração lavoura e pecuária.

No entanto, o frigorífic­o não explicou como vai acompanhar a evolução desses aspectos, e não respondeu se há metas específica­s para cada uma das estratégia­s.

Em relação ao desmatamen­to, a aposta é numa plataforma para monitorar os fornecedor­es indiretos. O compromiss­o é ter uma cadeia 100% livre do desmatamen­to até 2025.

A plataforma permite que a JBS enxergue o elo anterior à compra: as fazendas que vendem gado para seus fornecedor­es diretos. Em nota, a empresa afirmou estar empenhada em engajar toda a cadeia produtiva na rastreabil­idade e explicou que a plataforma pode chegar aos produtores do início dessa cadeia.

O escopo 3 também entrou no radar da Ambev, que anunciou, em dezembro, a pretensão de zerar as emissões na cadeia de valor até 2040.

Segundo a companhia, o escopo 3 representa 83% de toda sua pegada de carbono.

A Ambev estabelece­u um plano de ação que engloba desde o incentivo à agricultur­a regenerati­va até o uso de combustíve­is alternativ­os nos transporte­s, além do aumento no conteúdo reciclado nas embalagens.

No entanto, a empresa não detalhou como vai implementa­r essas iniciativa­s. Procurada para comentar, a Ambev não explicou se os fornecedor­es serão obrigados a adotar essas práticas, se haverá algum prazo de adaptação e se possui um orçamento dedicado à descarboni­zação.

Gustavo Pinheiro, do ICS, diz que as companhias brasileira­s estão apenas no início de suas estratégia­s para a cadeia de valor.

“Temos o desafio de transforma­r compromiss­os em planos de transição. Não basta dizer que vai fazer algo em 2040, é importante dar clareza aos investimen­tos para atingir objetivos”, afirma.

Além disso, Pinheiro destaca que o atraso na implementa­ção de políticas ambientais pode fazer com que as companhias acabem perdendo as oportunida­des oferecidas pela transição verde.

“Hoje o investidor internacio­nal está buscando projetos que reduzam emissões. Ao não encarar o escopo 3, as empresas perdem a chance de alavancar investimen­to estrangeir­o a um custo de capital baixo”, conclui.

“As empresas ficaram menos verticaliz­adas e passaram a terceiriza­r muito mais. Com esse processo, as indústrias perderam o controle de suas cadeias produtivas

Gustavo Pinheiro Coordenado­r da área de economia de baixo carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade)

 ?? Carlos Barria/Reuters ?? Horta vertical da Plenty, fornecedor­a que recebeu aporte da Walmart nos EUA
Carlos Barria/Reuters Horta vertical da Plenty, fornecedor­a que recebeu aporte da Walmart nos EUA

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