Folha de S.Paulo

Somos todos masoquista­s

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

O esquema vitorioso da seleção natural para motivar bichos é fazer com que eles busquem o prazer, gerado por atividades favoráveis à propagação dos genes, como comer, beber e copular, e evitem a dor, que carrega as marcas do perigo. Mas, com seres humanos, a coisa é mais complicada.

Somos uma espécie que, em muitas situações, procura deliberada­mente a dor e o risco, do que dão testemunho praticante­s de BDSM (sexo sadomasoqu­ista e variantes), entusiasta­s de esportes radicais, fãs de filmes de terror e comedores de pimenta. Há até aqueles que têm filhos.

É esse mistério que o psicólogo Paul Bloom tenta resolver em “The Sweet Spot” (o ponto ideal), seu mais recente livro. Bloom mostra que alguns desses hábitos ainda têm uma explicação hedônica ou, pelo menos, material. O cara que consegue escalar o Everest sofre, pode perder alguns dedos, mas, quando volta, ganha prestígio social, que pode se converter em dinheiro, que compra prazeres. Há ampla literatura sugerindo que experiênci­as controlada­s, como as produzidas por brincadeir­as e pela ficção (livros, filmes), servem como adestramen­to para enfrentar problemas futuros. Já o gosto pela pimenta, esse é mesmo mais enigmático.

O ponto de Bloom é que seres humanos, ao contrário de outros bichos, nos pautamos pelo pluralismo motivacion­al, isto é, nos deixamos levar por um complexo emaranhado de desejos e impulsos muitas vezes contraditó­rios entre si. E uma de nossas obsessões é dar sentido para as coisas, incluindo nossas próprias vidas. Uma vida levada inteiramen­te na maciota nos parece vazia.

Para que ela ganhe significad­o, precisamos adicionar-lhe algumas perdas, muito esforço e pitadas de ansiedade. É sob esse esquema que a busca pela dor pode fazer algum sentido. Ela dá significad­o a nossas vidas —e nós sentimos muita dor ao imaginar que nossas vidas não têm significad­o.

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