Folha de S.Paulo

Comissão do Senado dos EUA veta uso de verbas para remover quilombola­s em Alcântara

- Rafael Balago

“Nenhum dos recursos providos por esta lei ou por leis anteriores podem estar disponívei­s para forças de segurança do Brasil que se envolvam em reassentam­entos forçados de comunidade­s indígenas ou quilombola­s

washington A Comissão do Senado dos Estados Unidos responsáve­l pela alocação de verbas determinou que o governo americano impeça que recursos destinados a ações no Brasil sejam usados na remoção de comunidade­s indígenas e quilombola­s da região de Alcântara (MA).

O veto foi incluído na proposta de orçamento para o ano fiscal de 2022 do Departamen­to de Estado, que inclui repasses para ações no exterior.

“A Comissão está preocupada com os relatos de que o governo do Brasil planeja forçar a realocação de centenas de famílias quilombola­s para expandir o Centro de Lançamento de Alcântara. Nenhum dos recursos providos por esta lei ou por leis anteriores podem estar disponívei­s para forças de segurança do Brasil que se envolvam em reassentam­entos forçados de comunidade­s indígenas ou quilombola­s”, afirma o comitê.

O órgão é liderado pelo democrata Patrick Leahy, mas a construção do orçamento é esforço bipartidár­io. Apresentad­o na segunda (18), o documento ainda precisa ser aprovado pelo plenário da Casa.

As leis sobre o orçamento do governo dos EUA são apresentad­as de modo separado, mas debatidas em conjunto. Os democratas podem aprovar leis orçamentár­ias sem apoio republican­o, ao usar chamado mecanismo de reconcilia­ção.

A proposta de orçamento do Departamen­to de Estado prevê US$ 17 milhões (R$ 94,5 milhões) para ajuda ao desenvolvi­mento do Brasil, a serem administra­dos pela Usaid (Agência dos EUA para o Desenvolvi­mento Internacio­nal), e outros US$ 20 milhões (R$ 111 milhões) para ações relacionad­as a programas ambientais na Amazônia brasileira.

Os EUA e o Brasil fecharam um acordo para que os americanos utilizem a base de Alcântara, no Maranhão, para lançamento­s de foguetes. O acerto foi firmado por Jair Bolsonaro com o então presidente americano Donald Trump, em março de 2019, e depois aprovado pelos Congressos dos dois países. O decreto de promulgaçã­o do tratado foi assinado pelo líder brasileiro em fevereiro de 2020.

Pelo acerto, os americanos poderão fazer uso comercial da base em troca de recursos para que o Brasil invista no desenvolvi­mento do programa espacial brasileiro. Na época da negociação, estimava-se que o país poderia receber até US$ 10 bilhões por ano. O governo diz que seguirá com controle total da base e que os americanos farão um uso comercial do espaço, mas sob jurisdição brasileira.

Em outubro de 2019, a Folha mostrou que um plano para remover cerca de 350 famílias de quilombola­s da região estava em fase avançada. Elas seriam retiradas dali para permitir a ampliação do CLA (Centro de Lançamento­s), comandado pela Aeronáutic­a,

Comissão do Senado dos EUA em proposta de orçamento do Departamen­to de Estado

a fim de alugar espaços para operações de outros países.

Em março do ano passado, o governo publicou a resolução que previa a remoção de moradores. Decisão da Justiça Federal, porém, suspendeu a retirada, e o Ministério Público Federal recomendou o adiamento da operação em razão da pandemia. Assim, o governo se compromete­u a não remover quilombola­s de Alcântara durante a crise de Covid.

Há o temor, no entanto, de que a melhora na situação da pandemia no país possa levar o governo a rever sua posição. “A questão está um pouco adormecida, mas a gente sabe que eles [o governo] não estão parados”, diz Célia Pinto, coordenado­ra da Conaq (Coordenaçã­o Nacional de Articulaçã­o de Quilombos).

Ela estima que 800 famílias possam ter de deixar a região caso os planos de expansão das atividades da base de Alcântara avancem.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil