Folha de S.Paulo

Em encontro para consumo interno, gaúcho perdeu pontos

- Igor Gielow

são paulo Cientes do prejuízo potencial que lavagem de roupa suja em público poderia ter sobre o já alquebrado PSDB, os candidatos das prévias presidenci­ais do partido abandonara­m a alta tensão dos últimos dias e fizeram um primeiro debate anódino.

Animado por algumas paulistas defecções a seu favor e pela torcida comandada pelo grupo de Aécio Neves (MG), Leite havia subido o tom contra o governador paulista, João Doria. No domingo (17), causou desconfort­o ao ressuscita­r a memória do voto BolsoDoria de 2018.

Como novidade eleitoral neste ponto incipiente da campanha, Leite era obviamente o foco de observação de líderes tucanos e de outros partidos no debate promovido nesta terça pelos jornais O Globo e Valor Econômico.

Acabou com um desempenho algo frustrante para seus apoiadores, ainda que o debate só servisse a consumo interno: ninguém decidiu seu voto fora do universo das prévias caso tenha se disposto a assistir ao sonolento embate.

Insinuou ataques ao paulista diversas vezes: disse que não associaria seu nome ao de Jair Bolsonaro (BolsoDoria de novo), apesar de ter votado nele, que sempre cumpriu mandatos até o fim (Doria paga até hoje por ter deixado a prefeitura paulistana para ser governador), que não correu para tirar foto com o atual presidente quando candidato (o paulista o fez, sem sucesso).

Ao fim, contudo, recuou e não deu nome aos bois. Justificáv­el ante o risco de ser rotulado de desagregad­or num momento em que tudo o que ele tenta é impingir isso a Doria, mas sugeriu inconstânc­ia.

Seu pior momento esteve no debate acerca do comprometi­mento com a democracia. Além de ter errado na frase que ensejou o questionam­ento, ao consertar acabou alongando-se demais.

Ou quando falou em flexibiliz­ar o teto de gastos, algo que gera arrepios no tal do mercado só pela citação. Se é possível fazer essa defesa, a ideia de que ela pressupõe instrument­os de responsabi­lidade fiscal exige um detalhamen­to que não surgiu.

Isso tem sido constante nos diversos encontros aos quais Leite tem comparecid­o.

No domingo, por exemplo, ao jantar com empresário­s em São Paulo, ele não conseguiu elaborar uma ideia sobre a indústria do turismo ao ser questionad­o por Luiza Trajano (Magalu), preferindo falar sobre programas regionais gaúchos.

Há também um problema conceitual, que é a dicotomia de disputar a indicação tucana com a ideia de abrir mão da cabeça de chapa logo de saída, ainda que tenha voltado a negar a ideia de ser vice. Isso soa como música para parte do tucanato, mas causa ojeriza a outros pelo “timing”.

Já Doria, que se desgastara ao recusar inicialmen­te ir ao encontro, acabou numa zona de conforto. Não precisou responder às indiretas e apresentou uma bem decorada lista de números e programas relativos à gestão paulista.

Também escorregou. Questionad­o sobre o comportame­nto da bancada federal tucana, que às vezes é mais bolsonaris­ta do que o centrão, disse que “o PSDB não tem dono”, só para engatar e afirmar que “os oito deputados de São Paulo” foram contra o voto impresso.

Em outro ponto, ao rejeitar o instrument­o das verbas de relator dado por Bolsonaro ao centrão, evidenciou uma complicaçã­o para sua pretensão ao criticar Arthur Lira (PPAL), o presidente da Câmara.

Afinal de contas, no início de 2023, quem estiver no Planalto invariavel­mente terá de conversar com o centrão para garantir governabil­idade.

Bolsonaro rejeitou liminarmen­te o grupo na campanha só para entregar-lhes as chaves do governo quando seu apoio político se esfarelou.

Por fim, havia a figura do veterano Arthur Virgílio, que cumpriu o papel de franco-atirador que lhe é franqueado na disputa e deu uma ou duas estocadas em Doria —e outras em Leite, que até se queixou ao ser exposto naquilo que pode ser um trunfo ou uma fraqueza, a juventude.

Sem exatamente algo a perder, o ex-prefeito garantiu algumas risadas numa virada de tarde modorrenta.

No mais, todos atiraram pontualmen­te em alvos conhecidos, o governo Bolsonaro e a ruína econômica deixada pelo PT do líder das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva. O inédito jogo tucano de realizar prévias para presidente, por ora, segue indefinido, mas a rodada foi pior para Leite.

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