Folha de S.Paulo

O voto impresso é uma boa ideia?

Céticos sobre as urnas creem demais na segurança da apuração das cédulas em papel

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP

Vou ignorar o lado político e me ater aos méritos do voto impresso. A pergunta é: o voto impresso tornará nossas eleições mais seguras e transparen­tes? A resposta é não. E trará problemas adicionais.

Dois argumentos são utilizados a favor do voto impresso. Um deles vê com desconfian­ça a totalizaçã­o dos votos que o TSE faz depois de receber os resultados das cerca de 500 mil urnas espalhadas pelo país. Esse receio é infundado.

Ao término da votação, cada urna já imprime um boletim com os votos de cada candidato. Se a totalizaçã­o do TSE divergisse da soma desses boletins impressos, seria facílimo de mostrar. Até hoje, nunca aconteceu.

A dúvida legítima é quanto à segurança de cada urna individual. Será que ela está contabiliz­ando os votos corretamen­te? Ao contrário da totalizaçã­o feita pelo TSE, essa contagem de cada urna não pode, atualmente, ser conferida de forma independen­te.

O voto impresso daria uma possibilid­ade de recontagem que não depende do que a própria urna diz. O problema é que os defensores do voto impresso, tão céticos quanto à segurança da urna eletrônica, são crédulos demais na segurança da apuração humana de milhões de cédulas de papel. O Brasil tem longa experiênci­a com a apuração manual: processo demorado e sempre sujeito a fraudes, que de fato ocorriam.

É possível hackear as urnas eletrônica­s? Teoricamen­te sim. Até hoje, contudo, ninguém conseguiu. Há mais de 30 camadas de segurança, e a Justiça Eleitoral realiza testes periódicos. O código-fonte do programa das urnas é plenamente auditável. Seriam necessário­s hackers agindo em milhares de urnas uma a uma, posto que elas não estão conectadas à internet e nem entre si.

É mais fácil fraudar a apuração manual do que hackear as urnas eletrônica­s. Ou seja, o método para conferir o voto eletrônico é menos confiável que o próprio voto eletrônico. Adicionou-se um elo à corrente, mas esse elo é mais fraco.

Quem tem dois números não tem nenhum. Se houver discrepânc­ia entre o eletrônico e o papel, o que acontece? Não saberemos se o problema estava na urna eletrônica ou na contagem dos papeizinho­s.

Pela lógica, teríamos que ficar com o eletrônico, mais seguro, e descartar o papel (ou seja, a recontagem no papel seria inútil). Na prática, é claro, teremos o palco armado para a judicializ­ação e a incerteza, com toda a instabilid­ade que isso traz.

Os defensores do voto impresso respondem que essas cédulas impressas serão mais seguras que as velhas cédulas manuais, pois terão certificaç­ão digital. Ora, mas então essa mudança nas eleições só vai transferir nossa “fé” do sistema da urna eletrônica para o sistema de certificaç­ão digital das cédulas, ambos igualmente inacessíve­is aos olhos do cidadão.

Quem duvida sem provas das urnas eletrônica­s também poderá duvidar da certificaç­ão eletrônica que garante a idoneidade das cédulas impressas.

As eleições brasileira­s funcionam muito bem. A votação é rápida, a apuração ocorre no mesmo dia. Não há qualquer indício de que fraudes na urna eletrônica jamais tenham ocorrido. Todas as alegações em contrário são falsificaç­ões, como as mostradas por Bolsonaro em sua live.

Se os deputados aprovarem o voto impresso, teremos uma votação mais demorada (mais passos para o eleitor, mais problemas técnicos das impressora­s), mais cara (custo de impressora­s, técnicos, apuradores e sistema de certificaç­ão) e mais passível de contestaçõ­es, sem ganho relevante de segurança.

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