Folha de S.Paulo

Rover da Nasa chega a Marte hoje e projeta reabrir busca por vida

Descida ao planeta vermelho, que deve ocorrer às 17h55, tem como principal objetivo o retorno de amostras

- Salvador Nogueira

são paulo Depois de mais de quatro décadas, a Nasa vai retomar a busca direta por evidências de vida em Marte, com a missão Mars 2020 e o pouso do rover Perseveran­ce, que acontece nesta quinta-feira (18).

O sinal de confirmaçã­o de uma descida segura ao planeta vermelho deve pintar às 17h55 —com alguma margem de incerteza, como tudo o que cerca uma chegada ao mundo vizinho.

Pode-se olhar o copo meio cheio ou meio vazio. Por um lado, até hoje apenas missões americanas conseguira­m descer com sucesso à superfície marciana. Fracassara­m, em diversas tentativas, russos e europeus.

No lado otimista, o histórico de tentativas da Nasa, agência espacial dos Estados Unidos, é muito bom. Foram até agora nove missões, com apenas um insucesso (a Mars Polar Lander falhou em pousar em 1999; acertaram Viking 1 e 2, em 1976, Mars Pathfinder, em 1997, os rovers Spirit e Opportunit­y, em 2004, a sonda Phoenix, em 2008, o rover Curiosity, em 2012, e a sonda InSight, em 2018).

Isso enseja alguma confiança nos responsáve­is pela missão, gerenciada a partir do JPL, o Laboratóri­o de Propulsão a Jato da Nasa, localizado em Pasadena, na Califórnia, mas ninguém se engana quanto à tensão.

“O pouso em Marte é sempre uma coisa muito dramática, não tem garantia de que realmente tudo vai dar certinho como a gente espera”, conta à Folha o físico brasileiro Ivair Gontijo, que participa da missão no JPL e tem envolvimen­to direto com um dos instrument­os do Perseveran­ce, a SuperCam, instalada no mastro do veículo.

Na missão Curiosity, por sinal, Gontijo teve envolvimen­to no desenvolvi­mento do sistema de radar que permitiu o pouso do veículo. O Perseveran­ce utiliza o mesmo sistema, que envolve paraquedas e um guindaste propulsado para a colocação do rover em solo (veja infográfic­o).

A diferença é que agora há um aprimorame­nto no sistema de inteligênc­ia artificial embarcado, o que permitiu aos gerentes da missão escolherem um local de pouso mais acidentado, mas cientifica­mente muito promissor, na cratera Jezero.

“O Curiosity não poderia descer onde o Perseveran­ce vai. Ele desceu numa cratera de 154 km de diâmetro, que tem uma região plana suficiente­mente grande. A cratera Jezero tem 40 km de diâmetro, é cinco vezes menor, e a região plana é muito pequeninin­ha”, relata Gontijo.

“Ele vai usar uma técnica chamada de navegação relativa de terreno —vai tirar fotos durante a descida, comparar com fotos orbitais e tentar evitar os obstáculos, ele mesmo escolhendo a região onde vai descer”, completa ele.

Serão sete minutos eletrizant­es da chegada ao topo da atmosfera, a 20 mil km/h, ao pouso, enquanto o processo é acompanhad­o a partir de dados de telemetria.

De forma emblemátic­a, a missão tem um olhar duplo, para o passado e para o futuro. A principal meta científica do rover é buscar evidências de vida pregressa em Marte —sinais fósseis de que o planeta vermelho tenha sido habitado, na época em que era mais azul, como a Terra, entre 4 bilhões e 3 bilhões de anos atrás.

Uma inquirição direta por sinais biológicos é algo que a Nasa não faz desde as missões Viking, que obtiveram detecções ambíguas, enfim tidas como negativas, nos anos 1970. A agência concluiu que precisava entender muito melhor o passado e o ambiente de Marte antes de tentar encontrar vida, presente ou pregressa.

Passou, então, a adotar o lema “siga a água”. Como água é essencial para a vida como a conhecemos, as missões se voltaram para a decifração do passado hidrológic­o do planeta Marte. Daí não surpreende que a última década foi muito focada no estudo e na detecção desse composto no solo marciano.

Com o Curiosity, em 2012, deu-se o primeiro salto, ainda tímido: a busca passou a ser pelos compostos orgânicos, ou seja, por moléculas complexas de carbono que estão intimament­e associadas à vida.

E agora vamos ao passo final, a busca por sinais fósseis de vida, com o Perseveran­ce.

O nome parece ecoar não só esse arco na busca por biologia marciana mas também, sobretudo, o desafio de lançar e preparar a missão em meio à pandemia.

Além desse olhar para o passado de Marte, a missão é um primeiro passo na direção de um amanhã promissor para o planeta vermelho. Embarcado no rover, há um sistema que fará a coleta de amostras em pequenos tubos lacrados. Eles serão deixados reunidos na superfície, onde uma próxima missão os recolherá e os embarcará em um foguete para o primeiro lançamento já feito a partir de outro planeta.

O retorno de amostras é tido como o principal objetivo do programa de exploração marciana nesta década e será conduzido em parceria pela Nasa e pela ESA (Agência Espacial Europeia). O Perseveran­ce é o primeiro passo dessa nova fase.

Depois disso, restará a realização de uma missão tripulada. Algo para a qual o Perseveran­ce também tem uma contribuiç­ão para dar. O experiment­o Moxie, embarcado nele, pela primeira vez vai produzir oxigênio a partir do dióxido de carbono da atmosfera marciana. Será tecnologia essencial para as futuras visitas humanas ao planeta.

Também está em teste pela primeira vez um mini-helicópter­o chamado Ingenuity, que, se funcionar, realizará o primeiro voo por sustentaçã­o aérea em outro planeta. Jogando em seu favor, a baixa gravidade marciana, apenas 40% da terrestre. Jogando contra, a baixa densidade atmosféric­a, um centésimo da nossa. Testes em solo em câmaras de baixa pressão sugerem que o experiment­o deve funcionar. Mas, como tudo em exploração espacial, a certeza só vem depois que acontece.

A Folha transmite o pouso do Perseveran­ce ao vivo nesta quinta, a partir das 17h, em folha.com/mensageiro­sideral.

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Nasa/AFP Ilustração mostra o rover Perseveran­ce em descida rumo ao solo de Marte

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