Procuradoria investiga falha de entrega de oxigênio para Manaus
brasília O MPF (Ministério Público Federal) investiga uma paralisação de transporte de oxigênio de uso hospitalar na véspera do colapso dos hospitais de Manaus. Pacientes com Covid-19 em diferentes unidades de saúde morreram asfixiados em razão da falta do insumo. O alvo da investigação, na esfera cível, é o Ministério da Saúde.
Diante da suspeita de crime na paralisação do transporte e envolvimento de autoridades com foro privilegiado, o procurador da República Igor Spíndola encaminhou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a parte criminal da investigação.
O MPF no Amazonas conduz apenas a parte cível. O inquérito investiga também a conduta de autoridades estaduais e municipais.
“A gente já usava oxigênio de fora havia uma semana. A demanda já era superior à oferta da White Martins. A FAB (Força Aérea Brasileira) tem aviões adequados e estava trazendo”, disse Spíndola à Folha. “Não chegou mais avião entre os dias 13 e 14. Não chegou oxigênio. Os aviões pararam de fazer a rota”, afirmou.
O colapso definitivo dos hospitais, com o esgotamento do oxigênio, ocorreu na quinta-feira, dia 14.
O MPF já apresentou à Justiça Federal uma ação civil pública que pediu uma decisão obrigando a União a fornecer oxigênio aos hospitais, em caráter de urgência. A Justiça atendeu ao pedido e determinou o fornecimento a Manaus e a cidades do interior.
No dia 13, véspera do colapso, Spíndola recebeu uma liverno gação do secretário de atenção especializada em saúde do Ministério da Saúde, coronel Luiz Otávio Franco Duarte. Na chamada, o coronel pediu que o MPF adotasse “medidas absolutamente irrazoáveis” contra a White Martins. “Expliquei que a gente não é a AGU (Advocacia-Geral da União). Que ele deveria usar a AGU”, disse o procurador.
O coronel é citado em um dos relatórios da Força Nacional do SUS, que detalham com riqueza de dados a escalada da crise de oxigênio desde o dia 8. Os relatórios, que já apontavam a escassez do insumo, o momento em que os hospitais entravam na reserva e até mesmo o momento exato do colapso, foram revelados pela Folha na terça (19).
Franco telefonou para o procurador no dia 13. No dia 12, ele já culpava a White Martins, conforme a Força Nacional do SUS. Após uma visita ao Hospital Universitário Getúlio Vargas, uma unidade de saúde federal, o secretário teria apontado a “necessidade urgente de autuar a White Martins pela negligência quanto ao abastecimento de oxigênio no estado do AM”, como consta em um dos relatórios.
A empresa sempre negou ter sido negligente. No dia 8, mandou um email ao Ministério da Saúde detalhando o que estava ocorrendo em Manaus.
“Ele [coronel Franco] poderia ter avisado [na ligação feita na quarta, dia 13]: [o oxigênio] vai acabar amanhã. Mas, na quarta à tarde, ninguém avisou nada”, afirmou Spíndola.
“A gente teria corrido para fazer qualquer coisa emergencial, como a gente fez na quinta. Eu acordei e tinham duas horas de oxigênio. Eu não conseguiria resolver em duas horas. Em 24 horas, se eu tivesse sido avisado, certamente”, complementou o procurador.
Spíndola acredita que alguma decisão sobre a paralisação possa ter partido do Ministério da Saúde. “Nenhuma autoridade de saúde local ou federal parecia alarmada com o fato de que o oxigênio acabaria no outro dia.”
A informação inicial repassada por integrantes do ministério ao MPF foi de que o avião da FAB havia parado de fazer a entrega de oxigênio de outros estados. A aeronave teria quebrado, segundo essa informação inicial repassada a procuradores. A paralisação do transporte ocorreu do dia 13 para o dia 14, quando então ocorreu o colapso dos hospitais.
“Nos outros dias, com a vinda de mais aviões, descobrimos que tinham mais aviões. Tanto que não pararam desde então”, disse Spíndola.
Até agora, a PGR instaurou apenas uma notícia de fato, um procedimento preliminar para apurar a conduta do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, na crise de oxigênio. Aras deu 15 dias para Pazuello explicar a omissão diante de todos os alertas que recebeu sobre a escassez crítica do insumo em Manaus.
Se o procurador-geral entender que há indícios de crime, ele pode requisitar ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de um inquérito para investigar a conduta do general. Ministros de Estado têm foro privilegiado, na esfera criminal, junto ao STF.
Centrais sindicais fazem acordo com a Venezuela
Thiago Amâncio são paulo O Fórum das Centrais Sindicais, entidade que reúne a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a Força Sindical, a CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e outras organizações de trabalhadores, anunciou nesta quarta (20) um acordo com o goda Venezuela para fornecer oxigênio semanalmente a Manaus, onde o sistema de saúde colapsou.
A 950 km da fronteira com a Venezuela, a capital do Amazonas vai receber 80 mil litros por semana de oxigênio venezuelano, segundo as organizações sindicais. O país vizinho já enviou, na terça (19), 107 mil litros. O estado calcula um déficit diário de 50 mil litros de oxigênio.
No acordo, a Venezuela fornecerá o oxigênio e as centrais sindicais ficarão responsáveis pela logística (transporte e distribuição do produto), segundo a entidade. O primeiro comboio deve chegar na próxima semana, anuncia a entidade.
O auxílio oferecido pelo governo Nicolás Maduro ocorre em um contexto em que a autoridade do ditador não é reconhecida por Jair Bolsonaro. O presidente brasileiro considera que o presidente do país é o deputado Juan Guaidó.
Na última semana, aliados de Guaidó questionaram a oferta de oxigênio do governo Maduro. À Folha o deputado Julio Borges, responsável pelas Relações Exteriores do autoproclamado governo Guaidó, criticou a ajuda. Chamou de oportunismo político, afirmou que era uma tentativa de Maduro de mudar sua imagem e disse que os hospitais venezuelanos estão desabastecidos.
Bolsonaro ainda não agradeceu a ajuda venezuelana. Dirigentes do PT, próximos do governo Maduro, como o ex-presidente Lula e a deputada Gleisi Hoffmann, fizeram agradecimentos públicos. O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), que era próximo de Bolsonaro, também agradeceu ao governo venezuelano.