Folha de S.Paulo

Acreditem na vacina, pede a primeira imunizada

- Thiago Amâncio

são paulo Menos de dez minutos depois do fim da reunião da Anvisa que liberou a Coronavac e a vacina da AstraZenec­a, a enfermeira Monica Calazans, 54, tornava-se a primeira pessoa imunizada no Brasil contra a Covid-19.

Emocionada, ela pediu às pessoas que tenham fé na vacina.

“Estou falando agora como brasileira, mulher negra, que acredite na vacina. Vamos pensar em quantas vidas nós perdemos, quantos pais, mães, irmãos. Eu quase perdi também um irmão por Covid. Diante disso eu tomei coragem”, disse Calazans, que trabalha no instituto Emilio Ribas, na capital paulista.

A informação de que ela tinha sido escolhida foi antecipada pela colunista Mônica Bergamo.

Com obesidade, hipertensã­o e diabetes, ela faz parte do grupo de risco. Calazans foi vacinado pela enfermeira Jéssica Pires de Camargo, 30. A aplicação da vacina ocorreu em caráter simbólico, ao lado do governador João Doria, fiador da Coronavac no país, no Hospital das Clínicas.

“São dez meses de sofrimento e mortes, você não sabe o quanto isso representa”, disse Calazans, chorando.

A seu lado, Doria saudou o momento.

“Como pai de família, como alguém ao lado de tantos brasileiro­s que lutam pela vida, que lutam contra o negacionis­mo, que lutam pela proteção dos brasileiro­s, hoje é o Dia V da vida, da vacina, dos brasileiro­s”, disse o governador logo antes da aplicação na enfermeira.

Assim, Doria garantiu sua presença na fotografia do evento. Ele tem no imunizante sua principal arma política para concorrer à Presidênci­a em 2022.

A cerimônia, como costumam ser os anúncios do governador, teve estratégia­s de marketing para valorizar a conquista.

O governo instalou um “vacinômetr­o” para contabiliz­ar quantas doses do imunizante foram aplicadas. Até o fim do dia, 112 haviam sido imunizados, de acordo com registro do aparelho.

O governador e seus auxiliares usaram ainda uma camiseta com a bandeira do nacional escrita “Vacina do Butantan, a vacina do Brasil”.

Calazans trabalha na linha de frente da Covid-19 desde março, como enfermeira na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Emílio Ribas, uma das primeiras unidades de saúde a lotarem logo no começo da pandemia.

Assim que saiu da vacinação, abandonou a vida de “celebridad­e por um dia” e foi direto ao hospital, onde ainda faria plantão neste domingo em uma UTI lotada, segundo ela própria.

O setor tem 60 leitos exclusivos para pacientes com Covid, com taxa de ocupação média de 90%, afirma o governo estadual.

Moradora de Itaquera, na zona leste da cidade de São Paulo, ela toma dois ônibus e leva cerca de 1h30 para chegar ao trabalho, onde trabalha dia sim, dia não em turnos de 12 horas.

Viúva, mora com o filho de 30 anos —nenhum dos dois foi infectado, mas o irmão, auxiliar de enfermagem de 44 anos, chegou a ser internado por 20 dias. Calazans foi vacinada pela enfermeira Jessica Pires de Camargo, 30, que, ao fim do dia, também recebeu o imunizante.

“Um sentimento de orgulho e esperança ao mesmo tempo”, disse Camargo, que diz ter ficado surpresa ao ter sido convidada, na última sexta-feira (15), a ser a primeira pessoa a aplicar o imunizante no país.

“Orgulho de saber que todo o trabalho que fizemos valeu a pena”, afirmou.

Camargo não atua na linha de frente em si: trabalha no Centro de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde de São Paulo, junto com a vigilância sanitária e a vigilância epidemioló­gica, na coordenaçã­o e logística.

Mas também participa das campanhas ativamente, como no caso da Coronavac e durante a última crise de febre amarela no estado, além da vacinação da gripe.

“O número de casos voltou a crescer. As pessoas estão cansadas, mas a gente não pode esquecer que o trabalho ainda continua. Ao longo de vários anos, já passamos por muitas epidemias, e o isolamento social sempre foi a melhor maneira”, afirmou.

 ?? Eduardo Anizelli/ Folhapress ?? Monica Calazans, 54, a primeira pessoa a ser vacinada contra a Covid no Brasil, comemora após tomar a injeção, no Hospital das Clínicas, em São Paulo
Eduardo Anizelli/ Folhapress Monica Calazans, 54, a primeira pessoa a ser vacinada contra a Covid no Brasil, comemora após tomar a injeção, no Hospital das Clínicas, em São Paulo

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