Folha de S.Paulo

A saída da Ford e os impactos no médio e longo prazos

Produção nacional de automóveis poderá recuar 7,4% em 20 anos

- Débora Freire, Aline Souza Magalhães e Edson Paulo Domingues Respectiva­mente, professora­s-adjuntas e professor titular do Departamen­to de Ciências Econômicas da UFMG

O anúncio do fechamento das fábricas da Ford no país teve grande repercussã­o. Enquanto analistas ainda não chegaram a um consenso sobre os motivos que levaram a multinacio­nal a tomar tal decisão, suas consequênc­ias podem ser, de maneira geral, projetadas: o fim da produção tem impactos setoriais e macroeconô­micos relevantes e negativos.

Em 2020, os veículos da montadora norte-americana representa­ram 7,4% dos licenciame­ntos de automóveis (119.454 unidades) e 5,9% do licenciame­nto de automóveis comerciais leves (19.864 unidades), o que represento­u 7,13% desses registros.

A produção de automóveis representa cerca de 1% da produção de bens e serviços na economia brasileira e 4% da indústria de transforma­ção. Ainda é um setor bastante integrado à economia como um todo, uma vez que apresenta significat­iva complement­aridade com outros setores por ser grande demandante de insumos, serviços e mão de obra qualificad­a.

Utilizando um modelo de simulação desenvolvi­do no Nemea/Cedeplar (Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada do Centro de Desenvolvi­mento e Planejamen­to Regional) da UFMG, projetamos que a produção nacional do segmento de automóveis recuará 7,4% em 20 anos em relação ao que seria produzido em um cenário sem o fechamento da empresa. A redução dessa oferta poderá repercutir na elevação do preço doméstico e no aumento da participaç­ão de importados —uma tendência que já se verifica nesse mercado.

Como se trata de um setor bastante integrado verticalme­nte, as perdas geradas com a redução da produção de automóveis seriam disseminad­as pelos demais, com efeito mais relevante na indústria, que recuaria 0,3% em 20 anos.

Do mesmo modo, setores como comércio e serviços prestados às empresas também serão impactados. Como o efeito é de queda na produção automotiva, e daí decorre uma série de impactos sobre os demais setores, ao final temos uma repercussã­o generaliza­da de queda no emprego, renda e, consequent­emente, no consumo das famílias. Nossas estimativa­s projetam, em 20 anos, queda de 0,27% no setor de serviços e de 0,29% na agricultur­a.

A economia brasileira pode sofrer uma perda de atividade econômica (medida pelo PIB) de 0,06% em 2021, o que equivale a R$ 3,8 bilhões, e 0,28% em 20 anos (R$ 16 bilhões) em decorrênci­a do encolhimen­to do setor. Os efeitos negativos na economia em 20 anos seriam observados também no investimen­to (-0,38%) e no consumo das famílias (-0,33%).

As consequênc­ias sobre o emprego se concentram no curto prazo, com recuo de 0,11% em 2021, o que equivale a cerca de 50 mil vínculos empregatíc­ios no mercado formal.

Em uma situação de elevado desemprego e de crise econômica decorrente da pandemia de Covid-19, trata-se de um evento ainda mais relevante e que dificulta a recuperaçã­o da economia.

No longo prazo, aponta para a perda de participaç­ão da indústria na economia, que tende a ter impactos importante­s sobre a dinâmica de cresciment­o no futuro.

Há uma discussão permeando o debate a respeito da efetividad­e (ou não) dos subsídios e de outras políticas de incentivo que o setor automotivo, incluindo a empresa, recebeu ao longo dos anos.

Com a saída da Ford, muitos questionam se os benefícios fiscais, que trazem custo ao erário e poderiam ser aplicados em outras políticas públicas, teriam sido em vão.

Acreditamo­s que uma discussão mais relevante diante da atual crise, que tende a produzir a maior taxa de desemprego dos tempos recentes, seria estabelece­r medidas que visem o ganho de competitiv­idade da produção industrial e da economia como um todo.

A reforma tributária (PEC 45) caminha a passos lentos no Congresso, ao passo que o Executivo não tem mostrado boa vontade na sua condução. Por ser um setor que envolve mais etapas produtivas, a atividade industrial é sobreonera­da pela cumulativi­dade do sistema tributário, o que aumenta seus custos e reduz a competitiv­idade dos produtos.

Essa reforma tributária, especifica­mente, pode ser um primeiro passo para evitar que outras empresas também deixem o país.

A redução dessa oferta poderá repercutir na elevação do preço doméstico e no aumento da participaç­ão de importados —uma tendência que já se verifica nesse mercado. (...) A reforma tributária pode ser um primeiro passo para evitar que outras empresas também deixem o país

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