Folha de S.Paulo

Pela extinção do Partido Republican­o

Sigla de Trump já não disfarça mais que pretende impor ditadura da minoria

- Lúcia Guimarães É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspond­ente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo

A cirurgia foi um sucesso, mas o paciente morreu. O ditado sarcástico se aplica ao Partido Republican­o dos Estados Unidos que, para conquistar a Casa Branca, em 2016, decidiu cometer suicídio.

O sistema bipartidár­io americano, que alterna poder entre republican­os e democratas desde a segunda metade do século 19, ruiu com a eleição de Donald Trump. Se não existe bolsonaris­mo, apenas o capitão se desviando da lei e protegendo a família do palácio que os brasileiro­ssustentam, o mesmo fenômeno acontece em Washington.

Não há trumpismo, apenas um empresário incompeten­te, com várias falências no currículo, saqueando os cofres públicos, protegido pelo silêncio dos bilionário­s que hoje pagam menos impostos, os destruidor­es do meio ambiente que se livraram de leis reguladora­s e os vigaristas que venderam a alma em troca de um assento no Congresso.

O espetáculo pornográfi­co da sabatina da juíza Amy Coney Barrett, indicada pelo presidente para a Suprema Corte, basta para demonstrar a putrefação do que os americanos chamavam de conservado­rismo. O partido de Abraham Lincoln, que aboliu a escravidão, é hoje um lacaio de quem oferecer o lance maior no leilão da política.

A juíza é uma extremista de boas maneiras. No espaço de algumas horas de audiência no comitê judiciário do Senado, ela se recusou a endossar a transferên­cia pacífica de poder ao vencedor da eleição de novembro e a condenara intimidaçã­o de eleitores que o presidente vem instigando em comícios. Seu assento na corte, que parece garantido, foi comprado com dezenas de milhões de dólares por grupos de interesses ques e escon- dem atrás de fundações laranjas.

O sequestro da Suprema Corte pelo Partido Republica nonada tema ver com princípios morais, criminaliz­ação do aborto e proibição do casamento gay.

Essas bandeiras são chocalhos para agitar o culto. Os juízes comprados por bilionário­s estão lá para cumprir uma agenda econômica —desmontar estruturas de governo, garantir impunidade da elite e desfigurar o país que emergiu mais democrátic­o da Segunda Guerra.

Encurralad­o pela realidade —a transforma­ção demográfic­a que torna impossível aos republican­os conquistar­a maioria de eleitores nas urnas—, o partido já não disfarça mais que pretende impor a ditadura da minoria. Suprimir voto, reduzir drasticame­nte locais de votação e até roubar cédulas, comodes cobrimos na Califórnia, estaéa agenda republican­a. Governar é apenas um contratemp­o na manutenção niilista do poder.

Não há o que recuperar. O movimento “nevertrump­er” (nunca trumpista), que atraiu republican­os chocados com a confirmaçã­o da candidatur­a de Trump, endossa a candidatur­a do democrata Joe Biden em nome de conservado­res.

Mas um expoente do grupo teve a coragem de admitir: só a extinção do Partido Republican­o oferece saída para o pensamento conservado­r. Tom Nichols, um acadêmico especialis­ta em relações internacio­nais, primeiro se desligou, em 2018, do partido ao qual pertenceu por quase toda a vida adulta.

Mas, em setembro, ele escreveu que não basta mais votar em Biden para punir os republican­os. Nichols acredita que o partido, transforma­do em culto à personalid­ade do presidente, perdeu a razão de existir. Corrupção, racismo, teocracia, desrespeit­o à lei e instituiçõ­es hoje definem o que sobrou do partido de Lincoln.

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