Pancadões, GCM e mito da ‘Rota na rua’ municipal vão testar prefeito
Relevante na ordem urbana, guarda municipal está descontente com salários e equipamento
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O prefeito de São Paulo pode adotar medidas para reduzir a criminalidade, mas elas não se confundem com as atribuições das polícias, a cargo do governador. A melhoria da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e a integração com outras esferas de governo é um dos desafios da área, assim como ações preventivas e o controle de pancadões e loteamentos clandestinos ligados ao crime organizado são paulo Não importava o cargo em que estava ou iria disputar. Mesmo na prefeitura, a receita de Paulo Maluf contra a criminalidade era a mesma: “Rota na rua”, referência à tropa de elite da Polícia Militar, corporação ligada ao governo estadual e sem nenhuma subordinação ao prefeito de São Paulo.
Bordões como esse são emblemáticos da confusão de atribuições repetidas em campanhas municipais quando se trata de segurança pública. O prefeito pode adotar ações que contribuem para a redução da criminalidade, mas a responsabilidade pelas polícias é do governador.
Entre os desafios do eleito em novembro estarão os pancadões, os loteamentos clandestinos ligados ao crime organizado, a reorganização da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e a integração com outros níveis de governo.
Com papel relevante na ordem urbana, a GCM tem efetivo considerado mal equipado e descontente com os salários.
O horizonte a ser buscado pelo prefeito, segundo especialistas, é compreender que a segurança pública vai muito além do uso da força policial e que a prevenção básica e uma rede de assistência podem ser eficazes.
Qual é a responsabilidade dos municípios sobre a segurança pública?
O artigo 144 da Constituição coloca os governos estaduais como os principais responsáveis pelas polícias, mas cada vez mais os municípios têm sido chamados para atuar na área. Preconiza-se participação coordenada de todos os entes governamentais, cada qual com sua parcela, algo estimulado com a criação em 2018 do Susp (Sistema Único de Segurança Pública) —espécie de SUS da segurança.
Como tem sido essa integração na capital paulista?
Na troca de informações entre estado e município, mas ação ampla e coordenada conjunta não é comum.
A parceria é mais focada em casos pontuais, como na Operação Delegada (convênio que permite bico oficial de PMs em atividades da prefeitura), na fiscalização de pancadões e eventos, como as viradas culturais.
Desde 2017 há proposta de unificação dos serviços de emergência em um único número telefônico, o 190, mas que não saiu do papel. Existe um centro de atendimento unificado na cidade, com órgãos estaduais e municipais juntos, mas cada serviço tem um número diferente.
“Em São Paulo a integração praticamente não existe. Existe uma afinidade maior, alguns trabalhos pontuais, com a Polícia Civil, com uso de canil, por exemplo. Com a PM, é muito pouca. Ocorre alguma na região da cracolândia, aquelas confusões que acontecem”, avalia Evandro Fucítalo, 49, presidente do sindicato do Sindguardas-SP (sindicato dos guardas civis metropolitanos de São Paulo).
Como a prefeitura poderia contribuir mais?
Entre as ideias em debate está uma integração mais eficiente com as polícias, de forma que a prefeitura assuma parte das tarefas exercidas pela PM sem ligação direta com ações de combate à violência.
“Se a prefeitura melhorar o serviço, a polícia pode se dedicar mais no enfrentamento da criminalidade”, diz o diretor-executivo do Fórum de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Segundo dados da PM obtidos pela Folha, dos 5,2 milhões de atendimentos da corporação no estado em 2020, mais de 53% envolveram “ocorrência sociais”, como perturbação de sossego.
Para o coronel da reserva Glauco Carvalho, ex-comandante da PM na capital e doutor em ciência política pela
USP, as ocorrências de perturbação são exemplos do que as prefeituras poderiam assumir para desonerar a polícia.
“Um papel que a guarda poderia desempenhar para desonerar também a PM ou, de alguma forma, evitar a ampliação do problema de tal forma que chegasse à eclosão de um crime, aí sim uma prerrogativa da polícia”, diz.
Por que invasões de terra são um problema na cidade? Os serviços de inteligência do governo paulista apontam a participação direta do crime organizado em parte das invasões de áreas na capital, públicas e privadas, com exploração de moradores.
Um levantamento divulgado em abril pelo vereador Gilberto Natilini (sem partido), exsecretário municipal do Verde e Meio Ambiente, aponta que a quantidade de áreas verdes devastadas pelo crime passou de 90 para 160 em menos de um ano, atingindo 7,2 milhões de metros quadrados.
Além de fortalecer financeiramente o crime organizado, há a degradação de área de preservação. Esse aumento de áreas devastadas ocorre a despeito de haver uma unidade específica da GCM para preservação ambiental e uso de drones e helicópteros para monitoramento.
“Muitas vezes eu avisei guarda civil ambiental, e ela demorava uma hora, uma hora e meia para ir ao local, e quando foi não tinha mais máquina, não tinha mais caminhão, não tinha mais motosserra, eles tinham se evadido. Possivelmente, por vazamento. Isso aconteceu várias vezes”, diz Natalini. A prefeitura diz investigar essas suspeitas.
Por que os “pancadões” preocupam?
Eles proliferaram pela cidade, reunindo grande número de pessoas em espaço sem uma estrutura para tal, o que coloca em risco os frequentadores.
São comuns nesses locais crimes como tráfico de drogas, corrupção de menores, roubos e furtos. Também por bloqueio de vias e perturbação dos vizinhos pelo volume do som, é frequente a necessidade de intervenção de forças de segurança.
Para evitar a instalação dos “pancadões”, a GCM e a PM organizam operações que chegam a 200 nos três dias de fim de semana.
Um dos exemplos dos riscos dessas aglomerações foi a ação policial na favela de Paraisópolis (zona sul), no fim do ano passado, que provocou a morte de nove pessoas que estavam em um baile funk.
Para especialistas, isso é reflexo da necessidade de envolvimento de outras áreas na solução de um problema que não é policial: a falta de opções de lazer e cultura para os jovens da periferia.
“Um desafio fundamental é garantir que não só a polícia seja a política pública que chega nas regiões longínquas da cidade, nas quebradas. Porque hoje quem chega em alguns lugares é a polícia. Não tem posto de saúde, não tem educação, não tem nada”, diz Renato Sérgio de Lima.
Ações de lazer e cultura interferem na segurança? Todas as ações consideradas como prevenção primária são consideradas importantes contra a violência. Para Glauco Carvalho, vão de educação e saúde a empregabilidade e inserção social.
“Para que não tenha o desafio de ir para o crime para compensar essa falta de perspectiva de vida. Se o município tiver uma atuação intensa na prevenção primária, nós teremos uma menor intensidade de atuação da polícia, que é a prevenção secundária”.
“O prefeito tem o desafio de pensar uma política, sobretudo de prevenção situacional da violência, de melhoria das políticas públicas que ajudem efetivamente a prevenir a violência, reduzir riscos e vulnerabilidade social. Isso o município pode muito”, diz Renato Sérgio de Lima.
Que outras políticas indiretas podem contribuir na segurança?
A cidade, diz a Secretaria Municipal de Habitação, tem cerca de 4.100 áreas irregulares mapeadas e cadastradas que estão em processo de regularização, aguardando aprovação para obras de urbanização.
Além dos conflitos interpessoais que elas geram, há mobilização diária de tropas da PM em ordens de reintegração de áreas, públicas e privadas, que às vezes empregam cerca de 400 policiais para remover ocupações clandestinas.
Eles são retirados de suas áreas de atuação, no combate ao crime, e empregados em questões habitacionais.
A zeladoria da cidade também é apontada como fator que melhora não só a sensação de segurança como também os índices de violência.
Segundo a prefeitura, os investimentos na modernização e ampliação da iluminação pública contam com estudos da segurança pública, para direcionar os recursos aos pontos mais vulneráveis.
Qual é a situação da GCM? Tem 5.981 integrantes divididos em 51 inspetorias. O emprego do efetivo é definido com base em relatórios produzidos por um sistema que analisa todas as ocorrências de roubos e furtos registradas na cidade.
Além dos prédios municipais, como escolas e postos de saúde, a guarda atua na segurança dos parques. O Ibirapuera, por exemplo, reúne em tempos normais até 50 mil pessoas nos fins de semana.
O sindicato da categoria avalia que uma cidade como São Paulo deveria ter entre 15 mil e 20 mil agentes, o que esbarra nos recursos. O orçamento da segurança urbana é próximo de R$ 700 milhões.
Além disso, há queixas em relação ao trabalho e ao salário. A maioria do armamento ainda é revólver calibre 38, já aposentado em algumas instituições, como a PM.
Segundo a categoria, 75% do efetivo tem mais de 45 anos, parte dele já em condições de se aposentar. O último concurso para contratação de novos agentes ocorreu em 2014.
O salário base do guarda civil municipal paulistano é de R$ 2.180. Com alguns benefícios como vales transporte, alimentação e refeição, chega a R$ 3.328,54, segundo a prefeitura.