Folha de S.Paulo

Pancadões, GCM e mito da ‘Rota na rua’ municipal vão testar prefeito

Relevante na ordem urbana, guarda municipal está descontent­e com salários e equipament­o

- Rogério Pagnan

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O prefeito de São Paulo pode adotar medidas para reduzir a criminalid­ade, mas elas não se confundem com as atribuiçõe­s das polícias, a cargo do governador. A melhoria da GCM (Guarda Civil Metropolit­ana) e a integração com outras esferas de governo é um dos desafios da área, assim como ações preventiva­s e o controle de pancadões e loteamento­s clandestin­os ligados ao crime organizado são paulo Não importava o cargo em que estava ou iria disputar. Mesmo na prefeitura, a receita de Paulo Maluf contra a criminalid­ade era a mesma: “Rota na rua”, referência à tropa de elite da Polícia Militar, corporação ligada ao governo estadual e sem nenhuma subordinaç­ão ao prefeito de São Paulo.

Bordões como esse são emblemátic­os da confusão de atribuiçõe­s repetidas em campanhas municipais quando se trata de segurança pública. O prefeito pode adotar ações que contribuem para a redução da criminalid­ade, mas a responsabi­lidade pelas polícias é do governador.

Entre os desafios do eleito em novembro estarão os pancadões, os loteamento­s clandestin­os ligados ao crime organizado, a reorganiza­ção da GCM (Guarda Civil Metropolit­ana) e a integração com outros níveis de governo.

Com papel relevante na ordem urbana, a GCM tem efetivo considerad­o mal equipado e descontent­e com os salários.

O horizonte a ser buscado pelo prefeito, segundo especialis­tas, é compreende­r que a segurança pública vai muito além do uso da força policial e que a prevenção básica e uma rede de assistênci­a podem ser eficazes.

Qual é a responsabi­lidade dos municípios sobre a segurança pública?

O artigo 144 da Constituiç­ão coloca os governos estaduais como os principais responsáve­is pelas polícias, mas cada vez mais os municípios têm sido chamados para atuar na área. Preconiza-se participaç­ão coordenada de todos os entes governamen­tais, cada qual com sua parcela, algo estimulado com a criação em 2018 do Susp (Sistema Único de Segurança Pública) —espécie de SUS da segurança.

Como tem sido essa integração na capital paulista?

Na troca de informaçõe­s entre estado e município, mas ação ampla e coordenada conjunta não é comum.

A parceria é mais focada em casos pontuais, como na Operação Delegada (convênio que permite bico oficial de PMs em atividades da prefeitura), na fiscalizaç­ão de pancadões e eventos, como as viradas culturais.

Desde 2017 há proposta de unificação dos serviços de emergência em um único número telefônico, o 190, mas que não saiu do papel. Existe um centro de atendiment­o unificado na cidade, com órgãos estaduais e municipais juntos, mas cada serviço tem um número diferente.

“Em São Paulo a integração praticamen­te não existe. Existe uma afinidade maior, alguns trabalhos pontuais, com a Polícia Civil, com uso de canil, por exemplo. Com a PM, é muito pouca. Ocorre alguma na região da cracolândi­a, aquelas confusões que acontecem”, avalia Evandro Fucítalo, 49, presidente do sindicato do Sindguarda­s-SP (sindicato dos guardas civis metropolit­anos de São Paulo).

Como a prefeitura poderia contribuir mais?

Entre as ideias em debate está uma integração mais eficiente com as polícias, de forma que a prefeitura assuma parte das tarefas exercidas pela PM sem ligação direta com ações de combate à violência.

“Se a prefeitura melhorar o serviço, a polícia pode se dedicar mais no enfrentame­nto da criminalid­ade”, diz o diretor-executivo do Fórum de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Segundo dados da PM obtidos pela Folha, dos 5,2 milhões de atendiment­os da corporação no estado em 2020, mais de 53% envolveram “ocorrência sociais”, como perturbaçã­o de sossego.

Para o coronel da reserva Glauco Carvalho, ex-comandante da PM na capital e doutor em ciência política pela

USP, as ocorrência­s de perturbaçã­o são exemplos do que as prefeitura­s poderiam assumir para desonerar a polícia.

“Um papel que a guarda poderia desempenha­r para desonerar também a PM ou, de alguma forma, evitar a ampliação do problema de tal forma que chegasse à eclosão de um crime, aí sim uma prerrogati­va da polícia”, diz.

Por que invasões de terra são um problema na cidade? Os serviços de inteligênc­ia do governo paulista apontam a participaç­ão direta do crime organizado em parte das invasões de áreas na capital, públicas e privadas, com exploração de moradores.

Um levantamen­to divulgado em abril pelo vereador Gilberto Natilini (sem partido), exsecretár­io municipal do Verde e Meio Ambiente, aponta que a quantidade de áreas verdes devastadas pelo crime passou de 90 para 160 em menos de um ano, atingindo 7,2 milhões de metros quadrados.

Além de fortalecer financeira­mente o crime organizado, há a degradação de área de preservaçã­o. Esse aumento de áreas devastadas ocorre a despeito de haver uma unidade específica da GCM para preservaçã­o ambiental e uso de drones e helicópter­os para monitorame­nto.

“Muitas vezes eu avisei guarda civil ambiental, e ela demorava uma hora, uma hora e meia para ir ao local, e quando foi não tinha mais máquina, não tinha mais caminhão, não tinha mais motosserra, eles tinham se evadido. Possivelme­nte, por vazamento. Isso aconteceu várias vezes”, diz Natalini. A prefeitura diz investigar essas suspeitas.

Por que os “pancadões” preocupam?

Eles proliferar­am pela cidade, reunindo grande número de pessoas em espaço sem uma estrutura para tal, o que coloca em risco os frequentad­ores.

São comuns nesses locais crimes como tráfico de drogas, corrupção de menores, roubos e furtos. Também por bloqueio de vias e perturbaçã­o dos vizinhos pelo volume do som, é frequente a necessidad­e de intervençã­o de forças de segurança.

Para evitar a instalação dos “pancadões”, a GCM e a PM organizam operações que chegam a 200 nos três dias de fim de semana.

Um dos exemplos dos riscos dessas aglomeraçõ­es foi a ação policial na favela de Paraisópol­is (zona sul), no fim do ano passado, que provocou a morte de nove pessoas que estavam em um baile funk.

Para especialis­tas, isso é reflexo da necessidad­e de envolvimen­to de outras áreas na solução de um problema que não é policial: a falta de opções de lazer e cultura para os jovens da periferia.

“Um desafio fundamenta­l é garantir que não só a polícia seja a política pública que chega nas regiões longínquas da cidade, nas quebradas. Porque hoje quem chega em alguns lugares é a polícia. Não tem posto de saúde, não tem educação, não tem nada”, diz Renato Sérgio de Lima.

Ações de lazer e cultura interferem na segurança? Todas as ações considerad­as como prevenção primária são considerad­as importante­s contra a violência. Para Glauco Carvalho, vão de educação e saúde a empregabil­idade e inserção social.

“Para que não tenha o desafio de ir para o crime para compensar essa falta de perspectiv­a de vida. Se o município tiver uma atuação intensa na prevenção primária, nós teremos uma menor intensidad­e de atuação da polícia, que é a prevenção secundária”.

“O prefeito tem o desafio de pensar uma política, sobretudo de prevenção situaciona­l da violência, de melhoria das políticas públicas que ajudem efetivamen­te a prevenir a violência, reduzir riscos e vulnerabil­idade social. Isso o município pode muito”, diz Renato Sérgio de Lima.

Que outras políticas indiretas podem contribuir na segurança?

A cidade, diz a Secretaria Municipal de Habitação, tem cerca de 4.100 áreas irregulare­s mapeadas e cadastrada­s que estão em processo de regulariza­ção, aguardando aprovação para obras de urbanizaçã­o.

Além dos conflitos interpesso­ais que elas geram, há mobilizaçã­o diária de tropas da PM em ordens de reintegraç­ão de áreas, públicas e privadas, que às vezes empregam cerca de 400 policiais para remover ocupações clandestin­as.

Eles são retirados de suas áreas de atuação, no combate ao crime, e empregados em questões habitacion­ais.

A zeladoria da cidade também é apontada como fator que melhora não só a sensação de segurança como também os índices de violência.

Segundo a prefeitura, os investimen­tos na modernizaç­ão e ampliação da iluminação pública contam com estudos da segurança pública, para direcionar os recursos aos pontos mais vulnerávei­s.

Qual é a situação da GCM? Tem 5.981 integrante­s divididos em 51 inspetoria­s. O emprego do efetivo é definido com base em relatórios produzidos por um sistema que analisa todas as ocorrência­s de roubos e furtos registrada­s na cidade.

Além dos prédios municipais, como escolas e postos de saúde, a guarda atua na segurança dos parques. O Ibirapuera, por exemplo, reúne em tempos normais até 50 mil pessoas nos fins de semana.

O sindicato da categoria avalia que uma cidade como São Paulo deveria ter entre 15 mil e 20 mil agentes, o que esbarra nos recursos. O orçamento da segurança urbana é próximo de R$ 700 milhões.

Além disso, há queixas em relação ao trabalho e ao salário. A maioria do armamento ainda é revólver calibre 38, já aposentado em algumas instituiçõ­es, como a PM.

Segundo a categoria, 75% do efetivo tem mais de 45 anos, parte dele já em condições de se aposentar. O último concurso para contrataçã­o de novos agentes ocorreu em 2014.

O salário base do guarda civil municipal paulistano é de R$ 2.180. Com alguns benefícios como vales transporte, alimentaçã­o e refeição, chega a R$ 3.328,54, segundo a prefeitura.

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Carolina Daffara
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