Manobra de Trump abre brecha para uma guerra com Irã antes da eleição
Hipótese é especulada após a bizarra aplicação de sanções que a própria ONU descartou
são paulo A bizarra manobra norte-americana de impor sanções que a ONU não reconhece ao Irã traz consigo uma inquietante pergunta: estaria Donald Trump buscando uma guerra para elevar sua popularidade às vésperas da eleição de novembro?
Tecnicamente, a possibilidade está dada. Em 27 de agosto, o secretário de Estado, Mike Pompeo, postou no Twitter que as sanções seriam reimpostas em 20 de setembro. Poucos deram atenção.
Pompeo, um dos mais agressivos membros do gabinete de Trump, defende que o Irã deixou de cumprir termos do acordo que visa coibir seu programa nuclear da capacidade de produzir a bomba atômica.
Logo, as sanções que o acordo de 2015 suspendeu teriam de voltar, e a suspensão do embargo de venda de armas para Teerã, que ocorrerá em 18 de outubro, não seria mais válida.
O detalhe: os EUA deixaram o acordo em 2018, logo nem voz para dar palpite sobre o tema em tese têm. Foi isso que os outros signatários e a própria ONU passaram o fim de semana repetindo.
Pouco importa: Pompeo anunciou as primeiras medidas já nesta segunda (21), para a previsível queixa tanto de Teerão quanto da ONU e dos signatários do acordo nuclear, ainda vigente (Rússia, Alemanha, Reino Unido, China, França e União Europeia).
O interesse de pressionar os aiatolás e aqueles que deverão lucrar com a volta da venda legal de armas ao Irã, Rússia e China, é a superfície do movimento americano. Mas ele implica outras coisas.
Desde a noite de sábado, os EUA consideram que podem confiscar navios iranianos em águas internacionais e embarcações de outros países que estejam transportando produtos do Irã.
Há pouco mais de um mês, houve um aperitivo do problema, quando a Marinha americana forçou a entrega da carga de petróleo iraniano de quatro navios de bandeira liberiana, no mar da Arábia.
Ali, a alegação é que o produto renderia lucro para a Guarda Revolucionária de Teerã, que está sob sanções dos EUA.
A questão agora é que um movimento mais brusco, em especial no Golfo Pérsico, onde o Irã tem capacidade de interdição naval significativa com uma série de mísseis antinavio desenvolvidos nos últimos anos, pode disparar um conflito.
“O risco de um confronto é grande. Teerã pode retaliar contra navios americanos ou dos aliados árabes dos EUA. Se isso acontecer, Pompeo terá a sua supresa de outubro”, afirma o analista iraniano Trita Parsi, do centro americano Instituto Quincy.
Mas um conflito não poderia jogar contra as pretensões eleitorais de Trump? Para Parsi, esse é o motivo da pantomima diplomática criada em torno das sanções: dar um motivo legal, ainda que discutível, e um aspecto defensivo para qualquer ação americana.
O analista considera, contudo, que seria uma jogada arriscada para Trump.
“O público tende a apoiar o presidente inicialmente nesses casos, mas o efeito pode durar pouco se houve dúvidas acerca da natureza do combate”, diz.
Trump tem histórico em tomar medidas explosivas, mas sem uma estratégia real.
Ao longo de sua conturbada Presidência, ao mesmo tempo em que promoveu o desengajamento americano do que chama de “guerras inúteis”, ele bombardeou pontualmente o Afeganistão e a Síria, por exemplo.
O caso iraniano, contudo, é bem mais complexo. Psicologicamente parece distante, neste ano tomado pela pandemia da Covid-19, mas faz apenas oito meses que o Irã e os EUA quase foram à guerra após Trump mandar assassinar o general Qassim Suleimani no Iraque.
O militar iraniano comandava a Força Quds, uma unidade de elite que operava em todo o Oriente Médio. A resposta iraniana foi nada menos do que um ataque com mísseis contra os EUA.
No caso, posições americanas em solo iraquiano, algo bastante próximo de uma declaração de guerra.
Ambos os lados puderam cantar vitória e ficou por isso, temporariamente. A retomada da tensão com o Irã e a tentativa forçada de dar um verniz legalista ao eventual conflito vêm quando Trump está atrás de Joe Biden na corrida pela Casa Branca.
A situação fica ainda mais suspeita quando se analisa a retórica de Trump em relação à ONU e a organismos multilaterais no geral, de desprezo por ineficácia e alto custo.
Washington posando de guardiã de decisões que não foram tomadas pelo Conselho de Segurança, com esse cronograma eleitoral explícito, não soa bem.
Os dilemas das Nações Unidas no seu 75º aniversário ficam evidentes no episódio.
O clima de farsa já era perceptível, lembra Parsi, quando foi vazado pela área de inteligência americana um suposto plano iraniano para matar o embaixador dos EUA na África do Sul, como vingança pela morte de Suleimani.
A história, publicada pelo site Politico no começo do mês, tinha vários aspectos suspeitos. O principal foi que Trump a usou imediatamente, postando ameaças a Teerã.
Além disso, a polícia sulafricana disse que só foi alertada do risco de um atentado depois da publicação — quando a prática óbvia quando se trata de um país aliado é notificar o quanto antes as forças de segurança locais.
Washington posando de guardiã de decisões que não foram tomadas pelo Conselho de Segurança, ainda mais com esse cronograma eleitoral explícito, não soa bem. Os dilemas da ONU no seu 75º aniversário ficam evidentes no episódio