PMs paulistas são suspeitos de forjar prisão de inocente na TV
A Corregedoria apura um caso em que uma vítima de estupro teria sido orientada a depor falsamente contra um morador de rua. A prisão foi veiculada pela TV Record. A emissora diz ter divulgado informações oficiais.
são paulo De óculos escuros, o capitão da PM explicou à repórter de TV a prisão de um homem suspeito de ter estuprado e matado Francisca Amanda Costa Silva, 24.
O principal indício contra o morador de rua Clayton Silva Paulino Santos, 34, era o reconhecimento feito por outra vítima de estupro.
Na TV, o capitão André Silva Rosa qualificou o testemunho como “de suma importância” para concluir que Santos tinha atacado Amanda em 29 de março, em São Mateus (zona leste).
Faltava, porém “coletar alguns indícios, algumas provas, para realmente ligá-lo ao crime”, disse Silva Rosa na entrevista veiculada pela TV Record em 1º de abril.
A data, Dia da Mentira, mostrou-se condizente com o que se acredita ter ocorrido nos bastidores: PMs são suspeitos de forjar provas para a prisão de Santos para aparecer na TV.
As desconfianças surgiram quando, em 25 de abril. Estando Santos preso desde 31 de março, outro morador de rua, Fernando Dantas, 30, foi preso em flagrante, sob acusação de ter estuprado uma mulher de 36 anos na Cidade Líder, também na zona leste.
A nova vítima contou que Dantas, durante o crime, dizia frases do tipo “diz que você quer ser minha mulher”, “que quer morar comigo”. Frases muito similares às que a primeira vítima, a que havia reconhecido Santos, contara ter ouvido de seu estuprador, lembraram os policiais do DHPP.
Quando chamada novamente para falar sobre o assunto, a primeira vítima confessou ter mentido sobre Santos, relatou ter sofrido pressão de PMs e reconheceu em Dantas o autor do seu estupro.
Dantas confessou ter estuprado e matado Francisca Amanda, mas negou ser o autor do primeiro ataque. Para policiais ouvidos pela Folha, não há dúvidas de que ele seja o autor dos três crimes.
Segundo o novo relato da vítima de março, os PMs a pressionaram a reconhecer Santos dizendo que ele seria o autor do estupro e morte de Amanda e, assim, tinha de ser “punido”, tinha que “pagar”.
Eles a teriam orientado quanto ao que deveria dizer para convencer o delegado de que Santos era culpado nos dois casos: mencionar uma tatuagem do Corinthians no antebraço do homem que a atacara e dizer que ele usava um boné preto com a inscrição “Argentina”.
O relato de como a vítima foi convencida a identificar Santos por esses detalhes está em documento da Justiça paulista que determinou, em 18 de maio, sua soltura e a abertura de investigação por parte da Corregedoria da Polícia Militar.
Policiais civis e militares ouvidos pela reportagem afirmam não saber qual é o grau de envolvimento do capitão Silva Rosa, que deu a entrevista à TV, no episódio. Não está claro se ele teve participação direta na suposta fraude ou se aproveitou a oportunidade para “ganhar mídia”, já que tem interesses políticos. Ele está afastado da PM para concorrer a uma vaga a vereador na capital.
Para a família de Clayton Santos, o capitão foi responsável pela prisão e articulou a propagação da notícia. Ele teria repassado uma foto de Santos a uma equipe da TV Record, veiculada, sem distorções, como sendo do possível autor da morte.
A falsa acusação e sua divulgação na TV quase provocaram a morte de Santos.
Após ser solto, em maio, ele foi levado da casa de sua irmã por um grupo de criminosos para ser submetido a um “tribunal do crime”.
A irmã de Santos conta que iriam matá-lo. Ela então procurou pela advogada do irmão, Bethânia Belarmino, que levou provas de que Santos fora inocentado.
Bethânia Belarmino confirma. “A PM foi irresponsável nesse caso e quase decretou a morte de um inocente. Eu entrei em contato com a Record inúmeras vezes, todas sem sucesso. Eles têm por obrigação dar uma nota falando da inocência do Clayton, com a mesma ênfase com que o condenaram sem provas”, afirma.
Em 25 de junho, o capitão Silva Rosa divulgou em suas redes sociais nova prisão de Clayton, sob suspeita de roubo —ele tinha passagens anteriores por furto e roubo. Santos e mais duas pessoas teriam atacado um casal de idosos, com uso de faca.
“Se tivesse na cadeia, hoje a família do casal de idosos não estaria chorando!”, publicou Silva Rosa, criticando a soltura de Santos em maio.
Procurado pela Folha, Silva Rosa diz não ter sido intimado, mas se declara disponível a dar informações e esclarecimentos que lhe caibam.
“A ocorrência não é minha, mas de subordinados. Por este motivo fui o porta-voz no dia”, diz ele. “Desconheço pressão contra a vítima e ainda não fui informado sobre o IPM instaurado. Quanto ao teor da publicação nas minhas redes sociais, esclareço que o espaço permite a emissão de opinião pessoal.”
À Folha a TV Record disse ter divulgado informações oficiais. “A reportagem divulgou informações fornecidas pela polícia para vários veículos sobre prisão de um suspeito”, afirma a nota.