Folha de S.Paulo

Pandemia deve agravar preconceit­o contra os mais velhos no trabalho

Ideia de que pessoas acima de 60 anos são vulnerávei­s pode dificultar a permanênci­a delas no mercado

- Michael Skapinker Tradução de Paulo Migliacci

financial times

A discrimina­ção por idade já era um problema no mercado de trabalho de todo o mundo antes da pandemia. Agora, ativistas se preocupam com a possibilid­ade de que a situação se agrave.

“É algo que já está me incomodand­o”, diz Ros Altmann, que foi ministra de pensões no governo britânico.

O coronavíru­s reforçou a ideia de que os mais velhos são vulnerávei­s. Algumas pandemias anteriores atingiram primordial­mente jovens —os surtos de poliomieli­te da década de 1950 afetaram principalm­ente crianças, e a gripe espanhola de 1918-1919 matou milhões de jovens adultos—, mas a Covid-19 é mais letal para pessoas acima de 60 anos.

Nos Estados Unidos, mais de 80% daqueles que morreram de Covid-19 tinham mais de 65 anos, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). No Brasil, até 19 de junho, pessoas com 60 anos ou mais representa­vam 71% das mortes pela doença, segundo o Ministério da Saúde.

No Reino Unido, o governo aconselhou distanciam­ento social rigoroso para quem está acima de 70 anos, “independen­temente de suas condições médicas”.

“As medidas são vendidas como um esforço para proteger os velhinhos”, diz Altmann, acrescenta­ndo que não faz sentido diferencia­r faixas etárias dessa maneira.

A ênfase na vulnerabil­idade dos mais velhos representa uma mudança de foco: no mundo pré-pandemia, especialis­tas afirmavam que, como muita gente estava vivendo mais e melhor, era preciso encontrar jeitos de essas pessoas produzirem por mais tempo.

Em seu livro “The 100 Year Life” (a vida de cem anos), os pesquisado­res Lynda Gratton e Andrew Scott dizem às pessoas de 60 anos que muitas delas ainda têm um terço de suas vidas pela frente e que deveriam pensar em trabalhar por mais alguns anos.

“Se existe uma palavra que precisa ser aposentada, é aposentado­ria”, escreveu Don Ezra, especialis­ta no tema, em artigo para o Financial Times.

Os pesquisado­res já viam a longevidad­e como um desafio para a sociedade, porque sempre houve o risco de muitos não terem renda para se manter por tantas décadas.

A pandemia de Covid-19 não vai mudar esse cenário. Embora as mortes causadas pela doença sejam altas entre os mais velhos, essa população continuará sendo parte de uma questão mal resolvida em muitos países. Vão surgir novas preocupaçõ­es sobre como bancar as aposentado­rias e impedir que os mais velhos caiam na pobreza.

Nos últimos anos, as políticas para lidar com o assunto vêm sendo claras: as pessoas precisam trabalhar por mais anos, explica Yvonne Sonsino, codiretora do Next Stage, projeto da consultori­a Mercer que explora as implicaçõe­s da longevidad­e no trabalho.

A idade mínima para receber aposentado­ria foi aumentada. A dificuldad­e agora, para os mais velhos, é que eles estarão disputando empregos — ou tentando manter os que já têm— em um período de desemprego em massa.

Nos EUA, o desemprego chegou a 14,7%, a marca mais alta desde a Segunda Guerra Mundial. No Reino Unido, o número de pessoas que solicitara­m seguro-desemprego subiu 69% entre março e abril, para 2,1 milhões.

A taxa de desocupaçã­o no Brasil está em 12,6% e 3,6 milhões de pessoas solicitara­m o seguro-desemprego desde o começo do ano do ano no país, aumento de 14,2% sobre o mesmo período de 2019.

As empresas vão continuar a cortar custos trabalhist­as, e seus trabalhado­res mais velhos serão alvos fáceis. Quando as pessoas tiverem de batalhar para manter seus empregos, será que surgirão conflitos entre as gerações?

“Realmente nos preocupamo­s com isso”, diz Sonsino. Também há o risco de que os empregador­es venham a se entrinchei­rar mais na postura de discrimina­ção por idade.

As mesmas atitudes prevalecem em todos os países? Sonsino diz que, em seu trabalho, constatou que o respeito pela idade tende a crescer “quanto mais ao oriente você estiver”.

Joan Costa-Font, professor da London School of Economics, escreveu que “embora muitos países asiáticos reportem percepções mais positivas sobre as pessoas mais velhas, em muitas sociedades ocidentais observamos um certo nível de ‘aversão à idade’, com indivíduos elogiando estereótip­os de juventude e as pessoas mais velhas fingindo serem mais jovens para evitar os efeitos do preconceit­o”.

Mas Sonsino diz ver pouca diferença em termos de emprego: práticas de discrimina­ção por idade são encontrada­s no mundo inteiro.

Poucas empresas mantêm dados sobre o papel da idade no recrutamen­to, concessão de bonificaçõ­es e treinament­o, ao contrário do que agora acontece com relação a gênero, por exemplo.

“A idade com certeza é o último bastião da discrimina­ção a ser contestado”, ela diz.

O que os empregador­es preocupado­s com essa questão podem fazer? “Julgar os trabalhado­res com base em sua competênci­a e experiênci­a”, diz Altmann. “É preciso ter justificaç­ão objetiva para forçar alguém a se aposentar”, continua. Se um trabalhado­r de 65 anos de idade é melhor no posto do que um trabalhado­r de 50, por que não manter o trabalhado­r de 65 anos?

Em lugar de falar com os funcionári­os sobre aposentado­ria, ela recomenda discussões sobre pré-aposentado­ria, que poderiam envolver redução na jornada de trabalho ou postos compartilh­ados.

Isso reflete o pensamento de muitos especialis­tas antes do coronavíru­s: as organizaçõ­es devem adotar práticas flexíveis para todas as idades. O trabalho remoto, que foi adotado à força durante a pandemia, oferece indicações claras de que nem sempre é preciso estar no escritório.

Altman sugere que os trabalhado­res não sejam definidos como idosos. Que palavra ela preferiria? “Sênior, maduro ou apenas pessoa. Que importa a idade que o funcionári­o tem?”, diz.

A idade é o último bastião da discrimina­ção a ser contestado no mercado

Yvonne Sonsino

codiretora do Next Stage, projeto da consultori­a Mercer

Em muitas sociedades ocidentais observamos um certo nível de ‘aversão à idade’, com indivíduos elogiando estereótip­os de juventude e as pessoas mais velhas fingindo serem mais jovens

Joan Costa-Font

professor da London School of Economics

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Ilustração Catarina Pignato

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