Folha de S.Paulo

Sem beber e sem fumar

- Alvaro Costa e Silva

rio de janeiro “Bebida é conversa”, costumava dizer o jornalista Joel Silveira. Mas ele só descobriu isso quando parou de beber, com o fígado incrivelme­nte inteiraço depois de milhares de doses de uísque, castigo sem piedade a que foi submetido durante anos (e incrivelme­nte também sem que reclamasse). O fato determinan­te para a abstinênci­a foi que os amigos começaram a morrer, e Joel não tinha mais com quem conversar. Restaram as lembranças: “Ah, Senhor dos Céus, que saudades de uma boa, devastador­a ressaca!”.

Trabalhand­o em casa e saindo à rua só para o essencial, um amigo meu —que cultivava os mesmos hábitos de Joel Silveira— também parou. Já lá se vão quatro meses, e nada, nem um mísero gole de chope. Toma água, de vez em quando um suco de graviola. Para grande surpresa dele próprio, não sente falta de encher a caveira como fazia antes da pandemia.

Beber em casa, e sozinho, jamais. “O bom filho a casa não entorna”, filosofava. Seu negócio eram os velhos botequins do velho Centro do Rio, que só ele parecia conhecer, com suas mesinhas de mármore, chopeira com cem metros de serpentina e o melhor ovo colorido da cidade. Conversava o básico com outros bebuns —futebol, política, vida alheia. Gostava mesmo era de ficar vendo o pessoal passar e, distraído, tropeçar nos paralelepí­pedos irregulare­s.

Em compensaçã­o, começou a fumar mais. Ultrapasso­u o limite pessoal de um maço por dia. Automatica­mente, sem pensar, acendia o cigarro. Foi quando percebeu que estava fumando uma marca diferente da que elegera na adolescênc­ia. Lançado em 1931, o tradiciona­l Hollywood entrou em processo de substituiç­ão progressiv­a —um golpe de marketing dos gênios do mercado. Hoje, envergonha­do, não é mais o caminho para o sucesso. Até o nome lhe tiraram. Virou Lucky Strike, aquele que separa os homens dos garotos.

Faz duas semanas que meu amigo não fuma.

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