Folha de S.Paulo

Rapte-me, camaleoa

Há 30 anos como entidade do pop e em constante renovação, Kylie Minogue volta para show no Brasil depois de 12 anos

- Lucas Brêda

são paulo Kylie Minogue está cheia de memórias. “Foi muito mais emocionant­e do que achei que seria”, ela diz, sobre a coletânea “Step Back in Time”, lançada no ano passado, com 42 faixas de todas as — muitas— fases de sua carreira. “As lembranças são infinitas. Ao buscar os hits, também me lembrei de como eles foram feitos —podia ser um dia horrível ou um muito bom.”

Uma memória que a cantora australian­a guarda com clareza vem de 12 anos atrás, o seu primeiro show no Brasil, para quase 7.000 pessoas, em São Paulo. “Sempre quis retornar. Há uma paixão (e um volume!) que são comoventes e inspirador­es. Estou mais do que animada em voltar.”

Minogue já até voltou à cidade, em 2015, mas fez um show reduzido em evento beneficent­e fechado ao público. Em março, contudo, ela retorna para uma apresentaç­ão de grandes proporções, como headliner do festival GRLS!, inteiro com line-up feminino, incluindo nomes como Little Mix e Tierra Whack, no Memorial da América Latina.

Será a oportunida­de de uma nova geração de brasileiro­s ver a cantora, a maior artista pop que já saiu da Austrália. Até porque Minogue, apesar de ter 51 anos, tem um público abrangente, desde os fãs que começaram a escutá-la nos anos 1980 até gente que se apaixonou por ela no início dos anos 2000.

“Tive meu período de festeira e eu realmente amava [aquela época]. Hoje, é mais provável que eu vá a uma festa quando menos estou esperando. O começo dos 2000 foi veloz, fácil e bem-sucedido. Trabalhei duro como sempre e acho que foi um daqueles momentos em que os planetas se alinharam para mim. Amo que muitas daquelas músicas continuam soando bem em 2020.”

Ela fala de faixas como “Can’t Get You Out Of My Head”, de 2001, que se tornou um hino. Uma canção pop e grudenta de balada, do disco “Fever”, fazendo a ponte entre a música disco e o synthpop que dominaria as paradas com Britney Spears ou Lady Gaga.

Mas, àquela altura, Minogue já havia passado por algumas transforma­ções. Depois de iniciar a carreira como atriz, nos anos 1980, ela decidiu que aprender a cantar poderia lhe render mais papéis em filmes e séries.

“Fizaulasao­s16,egraveiuma demo aos 17, com três covers. Acho que tinha um sonho secreto de entrar para a música.”

Aos 19 anos, Minogue gravou a música “The Loco-Motion”, que viria a ser seu primeiro single, enquanto atuava na série australian­a “Neighbours”. A faixa ficou sete semanas como a mais tocada da Austrália e abriu o olho das gravadoras.

“Tive que equilibrar compromiss­os de filmagens na Austrália e arrumar tempo para viajar até Londres para gravar um álbum. Foi um turbilhão!”

Alémdodisc­oautointit­ulado de estreia, de 1988, ela lançou “Enjoy Yourself”, “Rhythm of Love” e “Let’s Get to It”, todos pelo selo PWL, num período de quatro anos. Àquela altura, o pop de Minogue, apesar de dançante, ainda carregava alguma ingenuidad­e —era muito romântico e quadrado.

“Aqueles quatro discos com a PWL eram tão coesos entre si que deram a base para que depois eu pudesse experiment­ar com outros ‘sabores’ pop.”

Foi na primeira metade dos anos 1990, quando ela já morava em Londres, que as coisas começaram ase transforma­r.

“Eu amava demais fazer parte da cena daqui. Estava tão inspirada pela moda, música, clubes, artistas, toda acultura. Sou muito agradecida por ter vivido tudo aquilo antes das redes sociais. Você tinha que estar lá, sair de casa, socializar, ir às festas, explorar.”

Primeiro, Minogue gravou um dueto improvável com o roqueiro conterrâne­o Nick Cave. Em seguida, absorveu as influência­s de artistas mais experiment­ais àquela altura, de Bjork ao Garbage, passando pelo Tricky. É possível ouvir todo o trip-hop, o rock e o indie pop noventista em “Impossible Princess”, seu disco mais esquisito, de 1997.

“‘Impossible Princess’ envelheceu não como um sucesso comercial, mas como um experiment­o que marcou. Lembro claramente oquem e motivava e oquem elevou ame expressar de uma maneira que nunca mais fiz. Eu estava tentando quebrar aquela moldura em que me sentia presa.”

Se não foi exatamente bem recebido pelos fãs, aquele álbum fez com que Mino guere descobriss­e suave ia mais dançante.Três anos depois, ela lançaria“LightYears”,umál bum pop fundamenta­l, recheado de hits, incluindo “Kids”, dueto com Robbie Williams, e principalm­ente “Spinning Around”.

Hoje, Minogue acumula mais de três décadas de pop, um período em que ela mudou tanto quanto a própria música de rádio ao redor do mundo. Aos 51 anos, se tornou uma espécie de entidade pop —flertando depois com o country e até coma música natalina —, além de ícone LGBT.

O GRLS!, festival que vai recebê-la, promove além dos shows palestras com intelectua­is feministas, ambiente com o qual Minogue diz estar familiariz­ada.

“É engraçado pensar que Charlene, minha personagem em ‘Neighbours’, era uma mecânica de carros. Ela estava quebrando as regras nos anos 1980, e amei interpretá-la. Gosto de pensar que era feminista mesmo antes de me definir assim. Tenho orgulho de fazer parte disso.”

Minogue já esteve à frente de seu tempo, e também correu atrás dele. Hoje, tenta estar alinhada a ele.

“Queria saber como continuar relevante, mas acho que é uma questão de equilíbrio. Sempre me perguntara­m se estou muito velha ou pouco ‘sexy’ para isso. Mas nenhum de nós pode ter outra idade. Quis falar sobre isso na música ‘Golden’. Não somos jovens, não somos velhos —somos áureos.”

Festival GRLS! Memorial da América Latina, av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, Barra Funda, São Paulo. 7 e 8 de março, a partir das 9h30 (talks) e 14h (shows). Ingr. R$ 121 a R$ 1.300

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Christian Vermaak/Divulgação A cantora Kylie Minogue
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