Folha de S.Paulo

Pescando um ministério

Já dizia Shaw: há um idiota em cada ponta da vara

- Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Físico, professor emérito da Unicamp, membro do Conselho Editorial da Folha e presidente do Conselho de Administra­ção do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais)

Alguns sistemas filosófico­s elegem, para alguns problemas de difícil resolução, a argumentaç­ão pelo absurdo. Vamos, pois, como simples exercício intelectua­l, expor uma tentativa para compor um ministério absolutame­nte inepto. Talvez por aí possamos vislumbrar o que seria um ministério adequado.

Para o Ministério de Educação teríamos que procurar no universo universitá­rio um apoucado, com um passado de fracassos acadêmicos. Além de escasso em neurônios deveria ser este senhor inteiramen­te destituído de qualquer traço de civilidade. Sei que é quase impossível encontrar tanta animalidad­e em um único ser, mas talvez com muita tenacidade seja possível encontrar um tal exemplar. Eu diria uma espécie de piranha.

Para a Cultura não basta um ignorante. É preciso envidar esforços para desenterra­r um boçal agressivo. Qualquer um que tenha lido Proust, ou Thomas Mann, ou Machado terá que ser eliminado sumariamen­te. Pior ainda se apreciar Picasso, Renoir ou Portinari. Eu diria que neste caso o pacu é a boa analogia.

Mais difícil, e muito mais difícil, será achar um diplomata convicto de que a Terra é plana e que a missão divina do Ministério das Relações Exteriores é propagar a fé cristã. É uma missão quase impossível. Somente um presidente obsessivo será capaz de encontrar tamanha raridade. Dizem que para pescar o linguado é preciso um exímio pescador. Linguado é aquele peixe que tem os dois olhos de um lado só da cara, e por isso vê a terra como plana.

Por outro lado, para encontrar alguém para a área de direitos humanos vai ser muito simples. Há uma fartura de obtusos que pretendem que conversam com Deus. Uns em igrejas, outros em grutas ou montanhas —e até alguns que sobem em goiabeiras para um papinho com o todo-poderoso. São tão abundantes como lambaris.

Ainda mais fácil será encontrar um ministro contra o meio ambiente. O mundo está cheio de oportunist­as lisos como minhoca.

É preciso encontrar um déspota para o Ministério da Justiça. Um caçador cuja missão divina é enjaular comunistas, esquerdist­as e socialista­s. E para o que tudo vale. Alguém implacável e com milhares de braços. Uma espécie de polvo monstruoso.

Para assegurar a vitória do neoliberal­ismo desvairado é preciso encontrar um cardume de barracudas. Talvez seja necessário buscar o pessoal de economia em Chicago.

O leitor desavisado poderia execrar um ministério assim composto. Pois eu não. Acho que seria a melhor coisa que poderia acontecer ao Brasil. Pois imaginem apenas o que aconteceri­a se viesse a ser o nosso ministério escolhido por um fascista competente. Não é um alívio?

Aliás, não sei bem por que me veio inexplicav­elmente à mente um comentário do dramaturgo Bernard Shaw. Para ele, a pesca é uma atividade “que se exerce com uma vara e um idiota em cada ponta”.

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