Folha de S.Paulo

São-paulina se reinventou após ter depressão

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SÃO PAULO Enquanto posa para as fotografia­s, a atacante Glaucia, 27, imita as poses de Gabriel Barbosa e Cristiano Ronaldo. Brincalhon­a, mostra no rosto a felicidade de quem quer estrear com a camisa do São Paulo depois de uma grande temporada em 2019.

No ano passado, pelo Santos, ela anotou 14 gols e distribuiu 14 assistênci­as no Brasileiro. Foi eleita a melhor atacante da competição.

Com essa credencial, é a esperança de gols da equipe tricolor no Nacional deste ano, que começa para o clube do Morumbi na próxima segunda (10), contra o Cruzeiro, às 19h (com transmissã­o pelo Twitter), em Belo Horizonte.

Por trás do sorriso fácil, porém, há uma história forte de resiliênci­a e adaptação, principalm­ente ao seu corpo, que sofreu transforma­ções após uma luta contra a depressão quando tinha 19 anos.

Criada no Iguatemi, bairro da zona leste de São Paulo, Glaucia começou a jogar futebol na rua, entre os meninos, uma realidade que sua mãe, Vera, custou a aceitar.

“Eu acordava às 7h porque queria jogar com os meninos. Minha mãe não deixava, trancava a porta [do quarto]. ‘Você não vai, só tem homem’, e eu saía escondido, dava um jeito. No começo foi bem difícil para ela entender que futebol também era coisa de mulher”, conta.

Goleira de handebol na escola, Glaucia fez um teste no São Bernardo. Chegando no local, descobriu que lá havia também uma escolinha de futebol e resolveu tentar a sorte. Nunca mais voltou a agarrar a bola com as mãos.

Ela se formou nas categorias de base do clube do ABC paulista até chegar no profission­al. Atacante de velocidade e imposição física, atuava como ponta no início da carreira e, em 2011, foi vicecampeã paulista pelo Centro Olímpico, marcando 24 gols.

Na temporada seguinte, com 19 anos, se transferiu para o Jeonbuk, da Coreia do Sul. O que era para ser uma experiênci­a de cresciment­o financeiro e técnico se tornou o período mais difícil da vida de Glaucia, que precisou se reinventar como jogadora depois da depressão.

“Infelizmen­te, lá na Coreia, existe um preconceit­o quando você engorda. Ao invés de ajudar, eles mostram que você é diferente. Lá eu me sentia uma máquina, não uma pessoa que pode ter altos e baixos”, diz a são-paulina.

Ela chegou ao país com 10% de índice de gordura. “Era bem magra, bem forte. Só que, com a falta de adaptação, eu não conseguia dormir, dormia duas horas por dia. E comia muito mal. Enquanto estava acordada à noite, eu comia”, relembra.

“Eles vinham bater na porta para eu treinar, e eu não queria nem olhar para eles. Todos lá são muito magros, se você engorda vira piada.”

Glaucia percebeu que estava com depressão quando começou a chorar todos os dias. Sem vontade de treinar, pediu ao clube que a liberasse, abrindo mão dos salários que restavam em contrato. Só conseguiu voltar ao Brasil em 2013, com o fim do vínculo.

Depois da passagem traumática pelo Jeonbuk, a atacante começou a fazer acompanham­ento psicológic­o.

Em campo, o ganho de peso forçou Glaucia a uma readaptaçã­o de seu jogo. Com menos velocidade, agregou ao seu repertório o drible curto e os tiros de curta distância. Mais forte, também começou a utilizar seu corpo para levar vantagem no embate físico contra as zagueiras.

Essa redescober­ta teve seus percalços. Após voltar ao Centro Olímpico e depois passar pelo São Caetano, a atleta fechou com o São José. Em seu quarto jogo com a equipe, lesionou o joelho direito, o que a tirou de toda a temporada.

Recuperada, ganhou nova oportunida­de na Coreia do Sul em 2015, desta vez pelo Red Angels. O intuito era dar a volta por cima, mas não foi o que aconteceu. Ela pouco jogou na equipe coreana e, no ano seguinte, retornou ao Brasil para atuar pelo São José. Em abril de 2016, porém, voltou a se lesionar.

Depois de um segundo processo longo de recuperaçã­o e passagens por Iranduba e Sport, recebeu uma proposta da Coreia do Sul. Desta vez, pelo KSPO, a atacante conseguiu ter sucesso na Ásia.

“Ver o quanto eles acreditava­m no meu trabalho fez com que meu rendimento fosse melhor do que eu imaginava”, diz Glaucia, semifinali­sta da liga coreana com o KSPO e terceira artilheira.

Para a temporada de 2019, a então técnica do Santos Emily Lima pediu a sua contrataçã­o. A jogadora conta que recebeu mensagens de torcedores que a criticavam por seu peso. Sua resposta veio em campo. No clube da Vila Belmiro, livre de lesões, anotou 19 gols em 32 partidas, 14 deles só no Brasileiro.

Agora no São Paulo, que perdeu Cristiane para o Santos, Glaucia quer usar sua experiênci­a para o início da caminhada do clube na elite nacional após conseguir o acesso como campeão da Série B.

“Foi um aprendizad­o, principalm­ente a depressão. Fez com que eu me fortaleces­se, não me ofender se as pessoas rirem. Hoje já me sinto melhor e não levo essas coisas mais a sério”, finaliza.

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Eduardo Anizelli/Folhapress A atacante Glaucia, do São Paulo, foi destaque do Santos no Brasileiro do ano passado

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