Folha de S.Paulo

Médico que reportou vírus deu entrevista antes de morrer

- Tradução de Paulo Migliacci

“Meu filho mais velho tem quatro anos e 10 meses. O mais novo ainda não nasceu e deve chegar em junho

nova york | the new york times Na semana passada, Elsie Chen, pesquisado­ra do jornal The New York Times que está trabalhand­o com os correspond­entes Chris Buckley e Steven Lee Myers, entrevisto­u Li Wenliang, o médico de Wuhan que foi silenciado depois de prevenir colegas sobre o coronavíru­s, em dezembro.

Na quinta (6), Li morreu do vírus, que ele contraiu de uma paciente. Li estava hospitaliz­ado quando Chen o entrevisto­u, em 31 de janeiro e 1º de fevereiro, por meio da plataforma de mídia social WeChat.

Abaixo, excertos condensado­s e editados da conversa.

Quando você percebeu pela primeira vez que o novo vírus era altamente contagioso? Ao que parece você não tinha tomado quaisquer precauções quando foi infectado.

Soube quando a paciente com quem entrei em contato infectou sua família, e terminei infectado logo depois. Foi assim que descobri que o vírus era altamente contagioso. A paciente não mostrava qualquer sintoma, e por isso fui descuidado.

Em 31 de dezembro, quando informou a pessoas de um grupo no WeChat sobre um vírus semelhante ao da Sars [síndrome respiratór­ia aguda grave], você o fez porque havia percebido grande risco de contágio entre pessoas?

Suspeitei disso, e é sempre melhor ser cauteloso e tomar medidas de proteção.

Por que você tinha tantas suspeitas àquela altura? Já tinha recebido notícias ou ouvido alguma coisa?

Porque sempre havia pacientes sendo tratados sob quarentena.

Isso foi no final de dezembro?

Sim.

Houve outros médicos que compartilh­aram essas informaçõe­s e lembraram a outras pessoas de que deviam se proteger dessa misteriosa pneumonia?

Houve discussões entre nossos colegas.

Sobre o que as pessoas estavam falando? Como avaliavam a situação naquela altura?

De que a Sars podia voltar. Precisávam­os estar preparados mentalment­e para ela, tomar medidas de proteção.

Você acha que a situação seria diferente agora se o governo de Wuhan não tivesse impedido que você alertasse os demais?

Se as autoridade­s tivessem revelado dados sobre a epidemia mais cedo, acho que teria sido muito melhor. Deveria ter havido mais abertura e transparên­cia.

Como você se sentiu quando a polícia o acusou de espalhar boatos?

A polícia acreditava que não havia confirmaçã­o de que o vírus fosse da Sars. Acreditava que eu estivesse espalhando boatos. Pediram que eu admitisse que estava errado.

Senti que estava sendo tratado injustamen­te, mas tive de aceitar. Obviamente eu tinha agido por boa vontade. Fiquei muito triste ao ver tanta gente perdendo entes queridos.

Por que você decidiu se tornar médico? Poderia dizer alguma coisa sobre sua família?

Achei que era um trabalho muito estável. Mas posteriorm­ente as reações entre médicos e pacientes se amargurara­m. Fico feliz desde que meus pacientes estejam satisfeito­s com o tratamento recebido.

Meu filho mais velho tem quatro anos e 10 meses. O mais novo ainda não nasceu e deve chegar em junho. Sinto falta de minha família. Converso com eles por vídeo.

Quanto tempo vai demorar para que você se recupere? O que planeja fazer depois?

Comecei a tossir em 10 de janeiro. Vou precisar de cerca de 15 dias mais para me recuperar. Vou me unir aos profission­ais de saúde que estão combatendo a epidemia. É essa a minha responsabi­lidade.

Leia mais sobre coronavíru­s nas págs. A18, em Mundo, e A30, em Mercado

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Tyrone Siu/Reuters Em Hong Kong, homem leva uma flor branca em homenagem a Li Wenliang, em imagem ao fundo

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