Varejo de moda cria novo perfil de lojas multimarcas para cortar custos
Morena Rosa e Rosset adotam o ‘one stop shop’, que reúne etiquetas de um grupo no mesmo espaço
são paulo e rio de janeiro A aridez da paisagem de tapumes espalhados em shoppings e lojas de rua do país no auge da crise, entre 2015 e 2017, fez o varejo de moda criar versões próprias de modelos internacionais de vendas que, se não resolvem o problema da recuperação lenta do consumo, prometem encher os olhos e servir de alternativa para fortalecer marcas.
“One stop shop”, “house of brands” e “marketing de experiência” são alguns dos termos na boca dos empresários neste pós-crise e foram temas de debates em feiras internacionais, como a NRF, a maior do segmento, que aconteceu no mês passado em Nova York. Só que, aqui, eles se misturam de tal forma que deixariam qualquer guru do mercado de cabelo em pé.
Uma das modas agora é unir marcas de um mesmo grupo dentro do espaço físico da loja, transformando o ponto de venda em vitrine não de uma grife, mas de várias outras.
Já lançaram suas versões de megastores ou flagships nesse formato grupos como Morena Rosa (Morena Rosa, Iódice, Maria Valentino e Zinco), Rosset Têxtil (Valisère, Cia. Marítima e Triumph) e a Cia. Hering (Dzarm, Puc, Hering e Hering Kids).
As nomenclaturas variam dependendo do propósito da loja, mas têm a mesma função de servir como espécie de butiques de departamento, numa analogia às grandes redes, só que com operações em menor escala e para públicos com poder de compra maior.
Isso acontece à revelia de um mercado de moda que prega cada vez mais investimentos em imagem, pontos físicos e plataformas digitais separados para cada marca.
A título de comparação, é como se os grupos de luxo franceses LVMH e Kering decidissem unir Louis Vuitton, Dior e Givenchy, ou Gucci, Bottega Veneta e Balenciaga, respectivamente, num mesmo espaço físico.
No longo prazo, a equação vigente no mercado é que essa a ideia apagaria o poder de fogo de cada etiqueta. No médio, porém, afirma o dono da paranaense Morena Rosa, Lucas Franzato, o modelo pode representar até um terço de todo o negócio até 2021.
O chamado Clube Morena Rosa, que reúne as marcas, já representa 15% da receita e, desde 2017, levou à abertura de até 20 lojas por ano em esquema de franchising.
O grupo despertou interesse do mercado e ganhou, no ano passado, o prêmio de melhor franquia da Alshop (Associação dos Lojistas de Shopping).
Ele não revela o faturamento, mas diz que, mantidas as previsões, essa meio multimarcas, meio “one stop shop”, um modelo no qual o cliente resolve a vida com uma oferta de diferentes produtos de moda e serviços, cuja engenharia foi popularizada pelas varejistas Macy’s e Bloomingdale’s, nos Estados Unidos, pode superar o ecommerce em vendas.
“Comemos pelas beiradas. Nas grandes capitais não tínhamos o reconhecimento do nome Morena Rosa. Nosso foco sempre foi a multimarca e, quando recompramos o grupo [em 2015, da gestora Tarpon], fechamos as parcerias com aquelas cuja exposição do produto não conseguíamos controlar e passamos a assumir essa função”, diz Franzato.
“Com o sucesso da loja na Oscar Freire [rua de alto padrão em São Paulo], vimos que o modelo é sustentável.”
Mesmo unidas em um mesmo quadrado, as marcas têm uma comunicação diferente, padronizada para todos os franqueados, que não pagam taxa de promoção e royalties para o grupo. “Com a crise, os shoppings e os lojistas tiveram de rever contratos, porque nunca mais vamos voltar ao cenário de 2011, quando todo o mundo faturava alto. Hoje, o franqueado tem de faturar para compensar os custos.”
No cálculo dessa “nova rota do varejo”, como o empresário define a solução, entram os preços dos aluguéis, mais caros para lojas menores, ou satélites, de até 500 m².
Segundo o presidente da Associação das Lojas Satélites de Shoppings, Tito Bessa Jr., esse jeitinho brasileiro de gerir os espaços, em tese, pode diminuir o percentual de até 20% do faturamento do lojista que ele estima ser repassado para os centros comerciais.
“É uma diferença estrondosa comparado aos 4% que uma loja-âncora desembolsa. Quem planeja fazer isso quer benefício de custo operacional. Por que você acha que a Hering abriu uma megastore?”,questioma Bessa Jr.
Oficialmente, a Cia. Hering abriu o primeiro ponto de sua megastore, no Park Shopping de São Caetano, no ABC paulista, para que o cliente veja num único lugar todas as suas marcas e encontre produtos de outras etiquetas, como papelaria, moda praia e até “copos estilosos”. O ponto não vende Dzarm e Puc, que também integram a companhia.
O grupo não atendeu aos pedidos de entrevista, mas o movimento condiz com a realidade do consumo em baixa que varreu para fora lojistas menores e pontos multimarcas.
No mês passado, o grupo comunicou ao mercado que o faturamento do quarto trimestre de 2019 diminuiu 5,2% em relação ao mesmo período de 2018, muito disso puxado pela retração das vendas nos canais multimarcas, que foi de 13%.
De acordo com o analista sênior da consultoria Euromonitor International, Guilherme Machado, quem se destaca no varejo são as lojas de grande porte, o que explica o movimento das empresas em sofisticar produtos e pontos de venda.
“O ‘one stop shop’ já é forte nos mercados desenvolvidos e tende a se intensificar no Brasil à medida que as pessoas estão ‘comprando tempo’, ou seja, procurando atalhos para simplificar rotinas”, diz.
A consultoria estima que desde o grande baque do varejo, entre 2014 e 2015, quando o número de lojas no país diminuiu 6,5% e 7,8%, respectivamente, tendências como essa, chamada “shopping reinvented” (compra reinventada), ganharam força. A praticidade seria “percebida pelo consumidor como mais forte do que o apelo de preços”.
Não é coincidência, então, que mesmo as multimarcas de luxo tenham mudado a rota nessa época.
A Dona Santa, do Recife, a maior da região Nordeste, expandiu o rol de serviços e passou a oferecer salão de beleza, pet shop, joalheria, floricultura e aluguel de espaços para marcas de luxo, o chamado “shop in shop”, para ampliar o escopo de atuação.
“Nosso papel de multimarca mudou. Não existe mais aquele cliente que leva tudo sem olhar preço, e também não podemos mais vender só roupas, mas convivência e experiência”, diz a empresária Juliana Santos.
Ela também lançou marca própria, homônima à multimarca, para girar o fluxo de caixa. Com tíquete médio de R$ 600, abaixo dos R$ 1.200 das marcas que vende na loja, vendeu 68% do estoque em 45 dias e já planeja para este ano abertura de lojas temporárias da marca em São Paulo.
O pacote chamado por muitos como “marketing de experiência” é a grande sacada do modelo “one stop shop” à brasileira. Para o consultor Alberto Serrentino, da Varese Retail, o formato de loja “lifestyle”, ou seja, que promove estilo vida, será cada vez mais comum.
“Se o consumidor se identifica com uma marca, ele vai querer a curadoria dela para diversos segmentos, da decoração à gastronomia. É um movimento que começou com as marcas de luxo que já lançaram hotéis e restaurantes e agora chega ao varejo de pequeno a médio porte”, afirma Serrentino.
O risco para os grupos que enveredem pela ideia de colocar suas marcas em um mesmo lugar, de acordo com ele, é que, se uma não for bem nas vendas, vai puxar as outras para baixo e causar um problema de estoque.
“É mais uma estratégia comercial, e as marcas podem desenvolver uma sinergia, mas o que parece estar se desenvolvendo é um modelo que nem atende completamente o consumidor, como o ‘one stop shop’, nem é formato ‘lifestyle’. Parece uma solução para suprir a restrição de espaço no mercado”, diz. “Sinceramente, não há nome para isso.”
Após recorde nos EUA, Farm quer ser multinacional
Quando a Farm fechou todas as suas lojas, após o Natal, adesivando as vitrines com o aviso de que os estoques haviam acabado, o mercado se perguntou se não era outro lance de marketing da grife carioca que mais cresceu nos últimos anos.
“Não foi”, jura o fundador e sócio do grupo Soma (Animale, Farm, A.Brand, Maria Filó e Foxton), Marcello Bastos. “Fechamos o ano com resultado recorde e lançamos a coleção que mais vendeu na história da marca.”
Os números ainda não são oficiais, e o grupo, fechado, não divulga receitas, mas o empresário estima que só a Farm tenha faturado R$ 660 milhões e, para este ano, estão previstas vendas de R$ 760 milhões. Em 2019, a marca abriu 20 lojas, o maior movimento dos últimos cinco anos, e passou a ter 50 pontos próprios.
Agora, o plano de expansão inclui para este ano outros três pontos de venda nos EUA, onde a marca já está posicionada desde o ano passado no SoHo (Nova York) e em Los Angeles. Estão confirmados outros três pontos, um no Brooklyn (Nova York), um no Texas e outro em Los Angeles.
“Saímos do zero a zero no mercado americano e começamos a lucrar já no fim do ano. Só em Nova York estimávamos vendas de US$ 190 mil no período do Natal, que não tem um movimento grande de consumo como no Brasil, e fechamos com US$ 220 mil.”
O maior ativo da marca não são exatamente as roupas, mas as estampas impressas nelas. A grife talvez seja a única do mercado que mantém uma equipe de arte para estamparia maior do que a de estilistas, que pensam o desenho das peças.
“Nossa ideia é ser a primeira multinacional de moda do país. Não há marcas brasileiras internacionalizadas como a nossa, e isso é triste”, diz.
À expertise das estampas a grife somou um cuidado com o chamado “marketing da experiência”, quando começou a apostar em lojas com serviços, estilo, cheiro e, claro, cores, que não eram praxe do mercado.
“Isso já nos fez reconhecidos no hemisfério Norte. Nos Estados Unidos, não há marcas posicionadas como a nossa, e o mercado já enxerga e aposta nisso”, diz Bastos.
Está previsto lançamento de uma coleção exclusiva para o mercado asiático, que, segundo Bastos, é mal servido em peças estampadas e reagiu bem às primeiras colaborações.