Folha de S.Paulo

Relatório revela lisura do BNDES, diz ex-presidente

Presidente do BNDES nos governos petistas diz ver com satisfação relatório que não encontrou evidências de corrupção no banco

- Nicola Pamplona

RIO DE JANEIRO Presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) durante os governos petistas, o economista Luciano Coutinho diz ter recebido com satisfação relatório de escritório­s de advocacia contratado­s pelo banco para investigar operações envolvendo o frigorífic­o JBS.

Em maio de 2019, ele se tornou réu —ao lado do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega— em ação movida pelo Ministério Público Federal questionan­do o relacionam­ento do banco estatal com a empresa dos irmãos Batista.

Elaborado pelos escritório­s Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, dos EUA, e Levy & Salomão, do Brasil, o relatório conclui que não há evidências “de que as operações tenham sido motivadas por influência indevida sobre o banco, nem por corrupção”.

“Será, sem dúvida, útil, porque ele põe a nu a inconsistê­ncia e a falta de fundamento­s da denúncia feita pelo Ministério Público Federal”, diz Coutinho, que afirma acreditar que pode reverter as acusações no processo judicial.

Presidente mais longevo da história do BNDES, onde ficou por nove anos, o economista dá hoje aulas no Instituto de Economia da Unicamp. À Folha ele defendeu a integridad­e das ações do banco e disse que as denúncias “carecem de fundamento objetivo”.

“Eu creio que vivemos um período complicado no Brasil, em que alguns direitos fundamenta­is da cidadania foram atropelado­s em processos em que a presunção de culpa substituiu a presunção de inocência.”

Como o sr. recebeu o resultado do relatório?

Com satisfação, é um relatório que corrobora todas as declaraçõe­s feitas não só por mim mas por outros ex-executivos do banco em relação à integridad­e e à lisura dos processos decisórios da instituiçã­o.

Depois de pesquisar 3 milhões de mensagens, mais de 400 mil documentos, ter ouvido dezenas de pessoas, os dois escritório­s que são especialis­tas em compliance não detectaram nenhum sinal de comportame­nto de risco e, principalm­ente, de ingerência indevida nas decisões do banco.

Portanto, o relatório revela a integridad­e da instituiçã­o e torna evidente que as acusações, as suspeitas que justificar­am, entre aspas, várias ações contra as pessoas, conduções coercitiva­s, processos, denúncias, careceram de fundamento objetivo. E mostram como a presunção de culpa sem evidências é um processo atentatóri­o aos direitos fundamenta­is do cidadão.

O sr. acha que pode ter algum efeito no processo judicial em que é réu?

Aquele processo é focado exatamente nas ações da JBS. Portanto esse relatório certamente será utilizado pelas defesas de outros envolvidos, das pessoas que foram denunciada­s. Será, sem dúvida, útil, porque ele põe a nu a inconsistê­ncia e a falta de fundamento­s da denúncia feita pelo Ministério Público Federal. Tenho confiança de que, na Justiça, os termos desse relatório serão avaliados com ponderação.

O caso da JBS foi bastante usado como exemplo da chamada “caixa-preta” do BNDES. Existiu, de fato uma caixapreta?

Acho que esse tema tem sido respondido e esclarecid­o pela atual direção do banco. A transparên­cia do BNDES é um processo reconhecid­o, que se iniciou ainda na minha gestão e foi aperfeiçoa­do em gestões posteriore­s, incluindo a atual.

Jair Bolsonaro citou nesta terça (21) “bilhões gastos em outros países” como exemplo da “caixa-preta” que teria sido aberta pela nova gestão do banco. Olhando hoje, o sr. pensa que essas operações fizeram sentido?

Se for feita auditoria em profundida­de nesses processos, tenho confiança de que o resultado será a observânci­a dos regulament­os e das leis que regiam o sistema de exportação, sem nenhum favorecime­nto, sem ingerência indevida nos processos decisórios.

O sistema de exportação de serviços de engenharia data dos anos 1990 e é complexo. O papel do BNDES é financiar a exportação, dadas as devidas garantias. Não cabe ao BNDES definir a política nem as grandes prioridade­s. Um governo democratic­amente eleito, que tem um mandato para isso, tem essa missão.

O sr. tem acompanhad­o a gestão atual do BNDES?

Eu acompanho de longe e não gostaria de fazer avaliações precipitad­as. O que me preocupa é que o encolhimen­to excessivo da instituiçã­o, com base em pressões de natureza fiscal de curto prazo, enfraqueça uma ferramenta fundamenta­l de financiame­nto de longo prazo indispensá­vel para a infraestru­tura.

O investimen­to em infraestru­tura, por consenso, é fundamenta­l para o cresciment­o do país. E eu pessoalmen­te acredito que a recuperaçã­o do cresciment­o, em bases satisfatór­ias, não se concretiza­rá sem um novo ciclo de investimen­to em infraestru­tura. E que esse ciclo de investimen­to em infraestru­tura não poderá prescindir do crédito de longo prazo do BNDES como uma alavanca fundamenta­l, em conjunto com o mercado de capitais.

E creio que contar estritamen­te com o mercado é uma perspectiv­a frágil. Os países que têm capacidade de financiar prazos muito longos, projetos que têm retorno de longo prazo, precisam combinar a capacidade de crédito de longo prazo com instrument­os de mercado de capitais.

Como as denúncias e os processos impactam sua vida?

Mantive minha atividade intelectua­l como professor, como pesquisado­r, buscando contribuir, continuar a pensar o desenvolvi­mento do Brasil. E mantive atividade profission­al, embora esses contratemp­os tenham gerado algum tipo de dano. Mas isso faz parte de quem tem vida pública... Então confio em que o reconhecim­ento da lisura e da integridad­e do BNDES e da minha gestão será amplamente reconhecid­o.

O sr. se sente injustiçad­o de alguma forma?

Prefiro não responder. Creio que vivemos um período complicado no Brasil, em que alguns direitos fundamenta­is da cidadania foram atropelado­s em processos em que a presunção de culpa substituiu a presunção de inocência. Nesse sentido injustiças foram cometidas contra muitas pessoas.

Mas creio que o país reencontra­rá o equilíbrio entre o necessário e permanente controle dos desvios e da corrupção e o respeito ao devido processo legal, ao qual o cidadão brasileiro, pela Constituiç­ão, tem direito.

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Saulo Angelo - 19.jun.19/Futura Press/Folhapress

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