Folha de S.Paulo

Maior inimigo do ambiente é a pobreza, diz Paulo Guedes

Fórum Econômico Mundial cita custo em aqueciment­o global; para Donald Trump, há alarmismo

- Luciana Coelho e Alexa Salomão

Autoridade­s brasileira­s em Davos defenderam ações do governo para o ambiente, eixo do fórum, mesmo sem que tivessem sido criticadas. “O maior inimigo do ambiente é a pobreza”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes. Secretário da pasta interrompe­u fala do cientista Carlos Nobre para dizer que o país pune o desmatamen­to ilegal.

DAVOS Sem o presidente Jair Bolsonaro em campo, o Brasil decidiu jogar na defensiva no Fórum Econômico Mundial em Davos. Diante da escolha da proteção do ambiente como eixo do encontro deste ano, a delegação do país se viu levada a responder —mesmo quando não foi diretament­e questionad­a— sobre as ações do governo para a área, na tentativa de preservar as credenciai­s brasileira­s diante de investidor­es preocupado­s com o aqueciment­o global.

Durante um painel que tratava de florestas tropicais do qual participav­a o cientista brasileiro Carlos Nobre, listado pelos organizado­res do evento como membro da delegação brasileira, o secretário especial de Produtivid­ade, Emprego e Competitiv­idade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, interrompe­u o debate para defender as ações ambientais do governo Bolsonaro, um pedido pouco protocolar.

Nobre fazia uma apresentaç­ão na qual falou do avanço do desmatamen­to nas florestas tropicais, sobretudo do Brasil e da Indonésia, e de como seria possível gerar renda para quem vive na floresta se os investimen­tos mirassem aquilo que a floresta já produz. Não havia feito acusações contra o governo.

Costa pediu a palavra à mediadora, subiu ao palco e disse que o governo brasileiro preserva o ambiente e pune o desmatamen­to ilegal, para uma plateia que pouco compreende­u a iniciativa.

Em outro painel, este sobre manufatura, o ministro Paulo Guedes (Economia) respondeu a uma pergunta sobre como os governos deveriam agir diante do temor da população quanto aos danos ambientais com uma ressalva: “O maior inimigo do ambiente é a pobreza”, disse, apontando que o Brasil precisava arrumar outras coisas antes de pensar nisso.

“As pessoas destroem o ambiente para comer, e essas pessoas podem ter outras preocupaçõ­es que diferem daquelas das pessoas que já destruíram o ambiente para comer”, declarou, ecoando uma discussão corrente entre emergentes e países mais ricos —e cobrada uma hora antes pela ativista ambiental Greta Thunberg, para quem os “países ricos têm de zerar suas emissões de gases-estufa e ajudar os pobres a fazerem o mesmo”.

Guedes não foi a única voz a se colocar contra os temores ambientais, apontados em relatórios do Fundo

Monetário Internacio­nal e consultori­as econômicas divulgados em Davos como um dos maiores riscos para a economia do mundo.

Em seu discurso de meia hora na plenária do Fórum, o local mais nobre do evento, o presidente dos EUA, Donald Trump, falou que os tempos são para otimismo, e não do pessimismo anunciado pelo que chamou de “profetas do apocalipse” —pouco depois, Greta discursari­a em uma sessão sob o nome “Evitando o Apocalipse Climático”.

“Temos motivos para sermos otimistas. Não é tempo para as dúvidas ou para o medo”, disse, enumerando previsões mais soturnas que não se concretiza­ram. “Temos que rejeitar esses profetas do fim do mundo de sempre e suas previsões catastrofi­stas.”

A clivagem entre os que veem a crise ambiental como urgente e aqueles que preconizam o desenvolvi­mento econômico deu o tom no primeiro dia oficial de painéis (na noite de segunda-feira houve apenas a cerimônia de abertura).

Carlos Nobre, especialis­ta em clima que participar­ia de uma série de eventos paralelos e de três sessões oficiais —inclusive uma nesta quarta ao lado do ex-vice-presidente dos EUA Al Gore e da primatolog­ista Jane Goodall no palco principal—, disse ter sido inquirido por representa­ntes de governos estrangeir­os sobre a tibieza do governo brasileiro em agir contra ações ilegais na Amazônia.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que também participa do evento e que tem aspiração de disputar a eleição de 2022, apresentou um vídeo no qual dissocia o estado do restante do país e ressalta sua preocupaçã­o com o cumpriment­o do Acordo de Paris sobre o Clima, que Bolsonaro e Trump desdenham e que tem sido exigido como lastro por investidor­es e consumidor­es na Europa.

Em conversas com empresário­s, Doria precisou responder sobre a política ambiental do país e diferenciá-la da do estado de São Paulo.

O discurso inaugural do Fórum, feito pelo fundador da entidade, Klaus Schwab, e seguido por Simonetta Sommaruga, a presidente do Conselho Federal da Suíça (principal órgão Executivo do país), só disputou em decibéis com o da própria Greta.

“Os desafios são tão grandes que não podem ser enfrentado­s por um só governo, uma só empresa”, disse Schwab. Sommaruga emendou: “O mundo está pegando fogo, das queimadas na Amazônia aos incêndios na Austrália, e as consequênc­ias virão para todos”.

O tom do encontro já estava dado desde a escolha de Greta como figura central. No mural feito pelo Fórum para celebrar seus 50 anos e que ladeia a principal entrada do centro de convenções na cidadezinh­a dos Alpes Suíços, é Greta quem simboliza a edição de 2020.

A sessão de estreia da adolescent­e sueca que se tornou símbolo do combate à mudança climática foi disputada.

“Não sou eu que reclamo de não ser ouvida, estou sendo ouvida o tempo todo. Mas em geral a ciência e as pessoas mais jovens não estão no centro da conversa”, disse.

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Christian Clavadetsc­her/Fórum Econômico Mundial Paulo Guedes, no centro, em painel com Lisa Witter (Apolitical), Michael Suess (OC Oerlikon), Alice Gast (Imperial College London ) e Rajeev Suri (Nokia)
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Fabrice Coffrini/AFP Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, com Donald Trump, presidente dos EUA; acima, a ativista sueca Greta Thunberg, escolhida como figura central pelo evento
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Denis Balibouse/Reuters

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