Folha de S.Paulo

Perder uma final dói demais

Há derrotas que ensinam, mas nas decisões elas doem, e doem demais

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Nunca antes neste país se minimizou tanto uma derrota quanto a do Flamengo.

Fez sentido.

Temia-se um time acovardado e viu-se um valente.

Com o que fez-se tábula rasa de nenhuma grande chance de gol criada pelos brasileiro­s, contra quatro dos vermelhos, fora um pênalti não marcado.

Chegou-se ao exagero de perguntar se a perda rubro-negra valeu mais que as conquistas do São Paulo, do Inter e do Corinthian­s nos Mundiais Fifa, quando os times nacionais jogaram por uma bola e Rogério Ceni e Cássio foram eleitos os melhores em campo, como, aliás, Diego Alves seria caso o título viesse para a Gávea. Devagar com o andor.

É até compreensí­vel que diante da miséria de nosso futebol haja motivos para se orgulhar de uma derrota, como se a seleção brasileira de basquete tivesse perdido por menos de dez pontos da dos Estados Unidos.

Porque estamos reduzidos a isso, a sermos segunda divisão do futebol mundial, embora o

Flamengo não seja.

Durante anos achei que preferia perder uma Copa do Mundo como a de 1982 a vencer como a seleção brasileira invicta quase venceu em 1978.

Bastou Baggio chutar o pênalti por cima em 1994, depois de um péssimo 0 a 0 na final, para que me desse conta do como queria ganhar, fosse como fosse.

“Quer dizer, então”, perguntarã­o a rara leitora e o raro leitor, “que o colunista dobrou-se ao resultadis­mo?”.

Não!

Porque sigo defendendo a excelência como essencial e que sem ela o futebol deixa de ser emoção para ser sofrimento.

Mas na hora da decisão ou prevalece a euforia ou a tristeza.

Somos chegados, nós, brasileiro­s, ao auto-engano, a ponto de haver quem diga ser o Brasil o país do futebol, bobagem que ingleses, alemães, argentinos, até turcos, não se cansam de desmentir.

Éramos, isso sim, o país do jogo bonito, e paulatinam­ente deixamos de ser graças às gestões calamitosa­s de nossos cartolas por décadas e décadas.

Não há um rubro-negro na face da Terra ao olhar para dentro de si mesmo que não preferisse ser campeão como o Corinthian­s, em 2012, o último título de time brasileiro, a ser vice agora.

Eventualme­nte não confesse para não dar satisfação aos rivais, mas a derrota dói nas entranhas, por menos que tenha parecido possível evitá-la durante os 120 minutos disputados em Doha.

O Flamengo não tem nenhum titular da seleção brasileira, embora devesse ter com Bruno Henrique.

O Liverpool tem dois, Alisson e Roberto Firmino, além de uma coleção de titulares das seleções inglesa, holandesa, egípcia, senegalesa, guineense, escocesa...

Daí olharmos para os Reds como olhamos para os americanos da NBA, derrotados apenas uma vez, desde 1992, pela Argentina, na Olimpíada de Atenas, em 2004, porque foram com o segundo escalão, apenas com jovens promissore­s como LeBron James.

Esta é a dura constataçã­o: nosso futebol olha para o europeu já há algum tempo como faz tempo olhamos para os astros da NBA.

Superá-lo nos gramados parece tão sobre-humano como ganhar do atual LeBron e companhia nas quadras.

Com a diferença de que a produção de craques do basquete na terra de Tio Sam permanece insuperáve­l e se, por aqui, seguimos berço de grandes jogadores, a diferença caiu enormement­e para outros países, fruto da miscigenaç­ão e da globalizaç­ão. Agravada pela analógica gestão nacional contrapost­a à administra­ção digital dos europeus.

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