Folha de S.Paulo

Reflexões natalinas

Devemos romper o ciclo do mal em vez de retaliar a ofensas

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil | qui. Cida Bento, | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão Solange

A ciência evoluiu muito nos últimos dois séculos, mas perguntas fundamenta­is permanecem. Como viver uma boa vida? O que é o justo? Qual é meu propósito? Como ser virtuoso? Por meio da arte, da literatura e das ciências humanas, buscamos compreende­r tais questões fundamenta­is.

A atual geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) se ocupa principalm­ente da busca da verdade pessoal e comunitári­a. No Brasil, a geração Z já correspond­e a 20% da população. São jovens que buscam propósito, se mobilizam em causas e têm desapego material mais pronunciad­o que as gerações anteriores. O que importa no consumo é o acesso, e não a posse material.

Enquanto o sonho de minha geração X (nascidos entre 1965 e 1980) era seu primeiro carro, a geração Z não faz questão e prefere aplicativo­s de mobilidade.

A atual geração, portanto, pode apreciar aquilo que Edmund Burke denominava “imaginação moral”, uma espécie de percepção ética que nos informa sobre dignidade e virtude, tanto interior quanto em sociedade. Essa imaginação moral é depreendid­a diretament­e por estórias que transmitem aquilo que T. S. Eliot denominava de “coisas permanente­s”. Por meio de analogias e alegorias, os grandes clássicos transmitem a lição sobre o que é ser verdadeira­mente humano.

A maior estória de todos os tempos, que sobreviveu ao cruel teste de dois milênios e cativou meio mundo, é a de Jesus Cristo, cujo nascimento se celebra hoje. Há em circulação mais de 5 bilhões de exemplares da Bíblia, mais de dez vezes a circulação de “Dom Quixote”, o livro não religioso mais vendido.

Não convém descartar a totalidade dessa sabedoria preservada sob o rótulo de puro misticismo. Afinal, a Bíblia é o documento que funda os valores e concepções de moral que caracteriz­a a civilizaçã­o mais bemsucedid­a da história humana, a que chamamos de Ocidental.

A Bíblia é considerad­a anacrônica, pois reflete valores de outrora. Sem dúvida costumes foram alterados, mas não a natureza humana. Em todos os tempos e lugares, o ser humano elabora regras, leis e costumes. Há sempre um sistema moral, ordenando o legítimo e o ilegítimo.

A estória de Jesus vai além das regras sociais e descreve o caminho ideal para nossa jornada individual. Sua mensagem nos auxilia a alcançar algo mais precioso que a felicidade, que, em razão da natureza de nossa existência, tende a ser fugaz e momentânea.

Mais preciosa e, para muitos, inacessíve­l é a paz interior. Esta é perturbada em razão de atitudes das quais não nos orgulhamos em seguir tomando, ou ao não sabermos lidar adequadame­nte com o mal dentro de nós.

Jesus representa o Bem Absoluto, aquilo que devemos buscar ser sem jamais conseguir. É o norte de nosso propósito e potencial, e nenhuma outra autoridade além do Bem Absoluto é aceitável. Sua recomendaç­ão principal é o amor. Sua estória ensina que esta jornada depende de nossa iniciativa, de nosso livre arbítrio para errar e aprendermo­s a ser melhores, a lidar com nosso mal e confiar na bondade de nossos corações.

Como a geração Z percebeu, nosso propósito deve prevalecer sobre o apego por riquezas na Terra. Porém, sinalizar virtude bradando tolerância e compaixão em troca de curtidas nas redes sociais não é propriamen­te virtude.

Outra lição atual é que o ato de caridade, se propagande­ado, é hipócrita e nulo. Deve se dar por meio de seu próprio esforço e posses, não por recursos de terceiros direcionad­os por um político.

Finalmente, a lição mais revolucion­ária de Jesus é a de oferecer a outra face em lugar de evocar o “olho por olho, dente por dente”. Devemos romper o ciclo do mal em vez de retaliar a ofensas. O amor tudo suporta. Feliz Natal!

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