Distorções tributárias
Por que cobramos tributo sobre tributo? O fisco mandou a racionalidade às favas
O STF está prestes a concluir, no próximo dia 5, julgamento que exemplifica como as distorções do sistema tributário criam insegurança jurídica, prejudicam o equilíbrio das contas públicas e geram má alocação de recursos e talentos, destruindo valor, derrubando a produtividade e o crescimento econômico.
Recentemente, o STF decidiu que o valor pago de ICMS não deve fazer parte da base de cálculo de outro tributo, a Cofins. Isso significa que uma determinada alíquota incidirá sobre base de cálculo menor, reduzindo o montante pago ao erário.
Por que cobramos tributo sobre tributo? A escalada da despesa pública, desde os anos 1980, gerou a necessidade de custear gastos sempre crescentes. O fisco mandou às favas a racionalidade do sistema tributário, e o objetivo passou a ser apenas arrecadar mais. Entre outros aumentos de tributos, houve a criação da Cofins incidindo sobre base ampla, inclusive sobre outros tributos, visando financiar crescentes gastos da seguridade social.
As regras tributárias, sempre buscando um real a mais, tornam-se complexas. Isso cria oportunidades de ganhos em ações contra o fisco. Advogados talentosos, que poderiam trabalhar em contratos de investimento em infraestrutura ou de comércio internacional, encontram business mais lucrativo no ofício de processar o erário.
Passam a trabalhar para grupos de interesse que, buscando brechas na tributação, contribuem para tornar o processo mais complexo.
Por mais questionável que possa ser a inclusão de um tributo na base de cálculo de outro, o fato é que, antes da decisão do STF, havia uma regra estável e os preços eram formados a partir dela. O STF, aliás, já havia rejeitado várias teses propondo a não incidência de tributo sobre tributo.
Nesse ambiente de regra conhecida e referendada pelo STF, as empresas formavam seus preços. As que eram capazes de repassar os custos aos consumidores finais fixavam preços mais altos. Outras absorviam parcial ou totalmente o custo em suas margens de lucro.
Se a decisão do STF for no sentido de que tributos pagos no passado devem ser restituídos às empresas que fizeram o recolhimento, haverá ganho injustificado para as que, no momento da venda, repassaram o tributo aos consumidores.
O sucesso dos garimpeiros de brechas tributárias estimula a entrada de novos “mineradores” no mercado da litigância: da decisão inicial já surgiram 24 novas “teses filhote”, questionando tributos sobre tributos.
A busca por compensação da receita perdida reforçará a criatividade do fisco para extrair, de forma torta, mais recursos do contribuinte.
Essa luta resulta em insegurança jurídica e em ampliação do contencioso tributário e dos custos para calcular e pagar tributos. Haverá agravamento do desequilíbrio fiscal, pois a conta das restituições atinge centenas de bilhões de reais. Aumenta o risco de criação de novos tributos. Que empresa vai investir e gerar empregos em tal ambiente?
A proposta de reforma tributária, visando instituir um Imposto sobre Valor Agregado, é a solução racional, pois estabelece base tributária clara e elimina a cumulatividade. Inclusive aquela decorrente da incidência de imposto sobre imposto. Mas a resistência dos que ganham com o sistema atual já indica lento avanço da reforma. Mesmo com essa dificuldade, não cabe ao STF tentar consertar o sistema pela via judicial.
O Supremo deveria reconhecer que sua decisão foi uma brusca mudança na jurisprudência e modular sua decisão, fazendo-a valer de agora em diante, afetando apenas a formação dos preços que ainda serão praticados. Com isso, amenizaria o estrago.