Câmara cogita fundo com oficialização de rachadinha
Plano de líderes partidários é taxar em 3% salário de todos os políticos e assessores para financiar campanhas
Líderes partidários na Câmara têm debatido a possibilidade de abastecer o financiamento de campanhas com a criação de uma taxa de 3% incidente sobre os salários de todos os políticos do país e de seus respectivos assessores.
A medida, que poderia arrecadar em torno de R$ 4 bilhões a cada dois anos e passar a valer para as eleições de 2022, tornaria oficial a chamada rachadinha, hoje feita de forma escamoteada em alguns gabinetes.
A prática consiste em reter parte dos vencimentos de auxiliares, em geral sob orientação do parlamentar.
Esse expediente ficou mais conhecido após a revelação do caso de Fabrício Queiroz, ex-funcionário de Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio.
Queiroz admitiu que recebia parcela dos salários de colegas para, segundo ele, remunerar assessores informais de Flávio, mas sem que este soubesse.
Líderes de siglas ouvidos pela Folha confirmaram que avaliam a ideia, apresentada pelo deputado Luis Tibé (Avante-MG). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), diz não conhecer a proposta.
brasília Em meio às articulações para definir o montante de dinheiro público que será destinado às campanhas municipais de 2020, líderes partidários na Câmara discutem a possibilidade de vitaminar o fundo eleitoral taxando em 3% os salários de todos os políticos do país e de seus respectivos assessores.
A medida —cujo objetivo seria reunir algo em torno de R$ 4 bilhões a cada dois anos, passando a valer possivelmente já para as eleições gerais de 2022— tornaria oficial, e com destinação carimbada para o financiamento eleitoral, uma prática que hoje é feita de forma escamoteada em alguns gabinetes.
Trata-se de uma espécie de “rachadinha”, que se tornou mais conhecida com as investigações sobre deputados e assessores parlamentares do Rio de Janeiro, entre eles Fabrício Queiroz, amigo e espécie de faz-tudo da família Bolsonaro.
Ex-funcionário do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) na Assembleia Legislativa, quando este era deputado estadual, Queiroz teve movimentação atípica identificada em suas contas e admitiu que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete.
De acordo com sua versão, ele usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do filho do hoje presidente da República.
O projeto que oficializaria a “rachadinha” já é objeto de discussões preliminares no MPF (Ministério Público Federal), fonte inicial da informação obtida pela Folha.
O responsável por levar aos demais líderes partidários da Câmara a proposta de uma nova fonte de recursos para o fundo eleitoral foi o deputado Luis Tibé (Avante-MG), líder da bancada e presidente nacional do partido.
“Eles até gostaram muito da ideia, até porque atenderia ao pleito de não tirar nada de outros investimentos públicos. Os envolvidos no pleito bancariam isso. E seria um valor pequeno, irrisório”, afirma.
O congressista diz não ver relação com as “rachadinhas”.
“Isso não é ‘rachadinha’, isso é um fundo em que os cargos comissionados [assessores] já sabem que vão contribuir com 3% do salário. É completamente diferente uma coisa da outra”, afirma.
“A pessoa entra, está lá público que será descontado do contracheque um valor para fazer um fundo para sustentar as eleições. Isso é uma lei em que vai estar claro que quem vai contribuir são os agentes diretamente envolvidos na eleição, os parlamentares, os cargos comissionados.”
Tibé afirma que, pelos cálculos feitos por técnicos, a cobrança da taxa de 3% do salário de presidente, governadores, senadores, deputados, prefeitos, vereadores e funcionários públicos de livre nomeação (os concursados não seriam taxados) renderia algo entre R$ 3,5 bilhões e R$ 4 bilhões a cada eleição.
Há cerca de duas semanas o ex-deputado federal e principal comandante do PL (exPR), Valdemar Costa Neto, mandou a área técnica do partido fazer uma estimativa própria, que chegou a números inferiores. O partido confirmou a informação, mas não forneceu os cálculos.
A Folha ouviu outros três líderes partidários, em condição de anonimato, que confirmaram estar avaliando a medida. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), diz que não conhece a proposta.
“A ideia foi muito bem vista. O problema é que há ‘n’ projetos que têm uma prioridade maior, que são ‘para ontem’. Para 2022 acho possível e vou trabalhar para que isso ocorra”, afirma Tibé.
Só no caso dos 513 deputados federais, por exemplo, que ganham mensalmente
R$ 33,8 mil e têm ao seu dispor uma cota mensal de R$ 111,7 mil para a contratação de até 25 assessores, o valor arrecadado com a oficialização da “rachadinha” seria de R$ 58 milhões a cada dois anos.
No Legislativo, o país tem ainda 81 senadores, 1.059 deputados estaduais e mais de 57 mil vereadores, todos com uma ampla rede de assessores comissionados.
A proposta de taxação do salário de políticos e assessores tem como pano de fundo a intensa articulação de bastidores para definir a fatia do Orçamento da União que será destinada às campanhas.
Até 2015, as eleições eram financiadas majoritariamente pela doação de grandes empresas privadas, como empreiteiras e bancos.
Naquele ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu a participação das empresas sob o argumento de que elas desequilibravam a correlação de forças entre os candidatos.
Algumas das grandes financiadoras do mundo político, como construtoras, foram foco de alguns dos maiores escândalos de corrupção da história do país.
Com isso, o Congresso aprovou para o pleito de 2018 a criação do fundo eleitoral, que naquele ano destinou um total de R$ 1,7 bilhão de verba pública para os candidatos.
Esse valor é acrescido a cerca de R$ 1 bilhão que os partidos recebem anualmente do fundo partidário.
Líderes dos principais partidos do Congresso Nacional, porém, afirmam considerar o valor insuficiente.
Para a disputa municipal de 2020, discutem-se nos bastidores cifras que vão do R$ 1,7 bilhão de 2018, corrigido pela inflação, até R$ 4 bilhões.
O martelo só será batido na votação, por deputados e senadores, do Orçamento da União para 2020 —o que deve ocorrer em meados do mês que vem.