Bolsonaro desfaz mal-estar com China e se rende à ofensiva de charme do país
Em visita de poucos resultados concretos, presidente demonstra pragmatismo nas relações
pequim Crítico ferrenho do comunismo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) passou em revista nesta sexta-feira (25) o Exército de Libertação Popular da China, o mesmo que 70 anos atrás ajudou Mao TséTung a implantar a “revolução” no gigante asiático.
Xi Jinping, dirigente máximo do regime chinês, acompanhou Bolsonaro na caminhada diante do Palácio do Povo e da Praça da Paz Celestial. Enquanto isso, uma banda tocava os hinos dos dois países e crianças cuidadosamente ensaiadas pulavam e balançavam bandeirinhas da China e do Brasil.
A cerimônia é planejada para impressionar e faz parte da ofensiva de charme que os chineses dispensam aos seus principais parceiros, principalmente em tempos de guerra comercial com os Estados Unidos. No ano passado, o intercâmbio comercial entre China e Brasil chegou ao recorde de US$ 98,5 bilhões (R$ 394,93 bilhões).
A iniciativa parece ter surtido efeito. Na reunião privada com Xi, que ocorreu logo em seguida, Bolsonaro disse que estava “feliz” com a maneira que vinha sendo tratado. Ele também se reuniu com o primeiro-ministro, Li Keqiang, e com o presidente da Assembleia Popular, Li Zhanshu.
Sempre ruidosas, as redes bolsonaristas se mantiveram caladas. Durante a viagem presidencial, que terminou nesta sexta-feira, nem mesmo o “guru” do presidente, Olavo de Carvalho, fez uma crítica sequer no Twitter.
No início do ano, quando uma comitiva de deputados federais e senadores bolsonaristas esteve na China para conhecer a tecnologia de reconhecimento facial utilizada no país, o escritor chamou os congressistas de “palhaços” e “semianalfabetos”.
Em todas as declarações públicas, Bolsonaro demonstrou pragmatismo e deixou de lado a retórica da campanha eleitoral, quando chegou a dizer que “a China não estava comprando no Brasil, mas comprando o Brasil”.
Dessa vez, o presidente brasileiro estendeu o tapete vermelho para os chineses, convidando-os a participar da cessão onerosa de petróleo, dos leilões de concessão e a entrar na privatização de estatais brasileiras.
Diante de uma plateia de 19 diretores-executivos locais, chegou a anunciar que vai isentar os chineses de visto para entrar no Brasil, uma medida polêmica e que desperta o temor de imigração ilegal. Afinal, vivem na China 1,4 bilhão de pessoas.
O governo flertou até com a Iniciativa Cinturão e Rota —um ambicioso programa de investimentos chineses em projetos de infraestrutura, principalmente na América Latina e na África— e admitiu buscar sinergias com o PPI (Programa de Parcerias
Hábil, Bolsonaro não esqueceu de mandar recados aos seus eleitores, quando disse que estava num “país capitalista” e quando permitiu que a imprensa o acompanhasse numa caminhada por um moderno shopping center
de Investimentos) brasileiro.
Carregada de simbolismo, a viagem teve poucos resultados concretos e nenhum grande negócio. Dos 11 acordos assinados, apenas dois vão incrementar imediatamente as exportações: protocolos sanitários para venda de farelo de algodão e de carne termoprocessada.
Todavia, Bolsonaro e Xi descobriram pontos de conexão, apesar das divergências políticas. O presidente brasileiro demonstrou apoio a integridade territorial da China, mesmo após visitar Taiwan na campanha eleitoral. E agradeceu diversas vezes o suporte chinês no conflito com o francês Emmanuel Macron sobre as queimadas na Amazônia.
“A China está se mantendo equidistante nesse episódio e tenho certeza de que se manterão assim em respeito a nossa soberania”, disse, na quinta (24) Bolsonaro.
Bolsonaro presenteou Xi com um agasalho do Flamengo, que acaba de ir para a final da Copa Libertadores. Admirador do futebol brasileiro, o dirigente chinês agradeceu e adulou o colega brasileiro dizendo que a carne exportada pelo Brasil é “inigualável”.
Hábil, Bolsonaro não esqueceu de mandar recados ao seus eleitores, quando disse que estava num “país capitalista” e quando permitiu que a imprensa o acompanhasse numa caminhada por um moderno shopping center. Já a tradicional visita a Muralha da China ele preferiu fazer sem a companhia dos repórteres.
Apenas um tema se manteve “tabu” durante toda a visita: a gigante de tecnologia Huawei, que vem sofrendo sanções dos Estados Unidos por causa da tecnologia 5G.
No banquete de gala, Bolsonaro perguntou a Xi como estavam suas relações com Donald Trump, considerado um ídolo pelo brasileiro, e teve uma resposta protocolar. E já quase de saída do país, o presidente revelou aos repórteres que já tratou do assunto Huawei reservadamente com o colega americano.
O governo brasileiro chega aos Emirados Árabes Unidos, neste sábado (26), com dois argumentos para atrair investimentos dos bilionários fundos soberanos aos projetos de infra-estrutura que pretende leiloar em 2020.
De um lado, exibirá nove mudanças regulatórias já feitas ou em curso, que pretendem flexibilizar contratos, mitigar riscos e tornar o país mais amigável ao setor privado.
De outro, reforçará que o investimento em infraestrutura e logística é fundamental para garantir um mercado importantíssimo para os árabes: as exportações do agronegócio, dos quais os Emirados são um dos principais compradores.
Aos investidores árabes, serão apresentados cerca de 20 projetos do PPI (Plano de Parcerias de Investimento, criado no governo Temer pela mesma equipe que comanda o Ministério da Infraestrutura de Bolsonaro), com potencial para levantar R$ 200 bilhões até 2022, segundo a pasta.
Há negociações também na área de defesa, diz o embaixador Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega, secretário de Negociações Bilaterais no Oriente Médio, e oportunidades em energia renovável, inovação e no setor médico-hospitalar.
O estoque de investimentos diretos dos Emirados Árabes no Brasil é modesto, segundo o Banco Central —em 2017, somavam US$ 703 milhões, 0,1% do montante investido por americanos, por exemplo.
O valor, porém, é crescente —o dobro do computado em 2016 e quatro vezes o de 2010— e com potencial de se multiplicar pela ação de fundos como o Mubadala, que soma US$ 230 bilhões em ativos no mundo (mais de R$ 900 bilhões) e investimentos em áreas como defesa, energia e mineração em mais de 50 países.
NoBrasildesde2011,aMubadala Capital (braço gestor para o fundo e terceiros) administra cerca de US$ 2 bilhões (R$ 8 bilhões) investidos em portos, estradas, mineração, imóveis e entretenimento. Atividades ligadas ao setor de óleo e gás brasileiro, como logística e refino, podem estar no foco do fundo, diz advogado Giovani Loss, sócio de escritório Mattos Filho e especialista em infraestrutura e energia.
Neste ano, o Mubadala participou de consórcio para a compra da TAG, rede de gasodutos do Nordeste, mas não venceu a concorrência. “Existe um movimento no Oriente Médio de internacionalizar investimentos”, diz Loss. O apetite é ainda maior nos Emirados Árabes, que já cumpriram um ciclo gigantesco de investimento interno em infraestrutura e no setor imobiliário.
Além de aplicar em outros países, têm também diversificado as áreas de atuação, para reduzir a importância relativa da indústria do petróleo.
Os fundos soberanos são os principais investidores em logística, como aeroportos e portos, não como operadores, mas como financiadores. “O papel deles é o daquele que assina cheque alto”, diz a advogada Marina Anselmo, sócia do Mattos Filho e especialista em infraestrutura.
Na visita de agora, sai de foco o agronegócio (que já foi tema de visita em setembro feita pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina) e entram as obras de infraestrutura.
Cristina, que acompanhou Bolsonaro ao Japão e à China, volta ao Brasil, e há a expectativa de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, se junte à comitiva. O chefe de assessoria especial da Economia Caio Megale participa das conversas com empresários.
Na viagem de setembro, Cristina apresentou aos árabes obras que considera prioritárias: ferrovias que ligam regiões produtoras de grãos e minérios a portos exportadores, como a Ferrogrão, entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA) —com leilão previsto para 2020— e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, entre Figueirópolis (TO) e Ilhéus (BA).
São projetos de longo prazo em que o fluxo de receita é quase como se fosse investimento de renda fixa, diz Marina Anselmo. “Eles têm moeda forte e resiliência. Não precisam de retorno imediato.”
Outras obras que podem atrair fundos são a ligação rodoviária entre Piracicaba e Panorama, a ser licitada em 2020 e pode chegar a R$ 16 bilhões, e rodadas de aeroportos previstas para 2020 e 2021, que, juntas, podem render mais de R$ 10 milhões e incluir Congonhas
e Santos Dumont.
Consultado, o escritório brasileiro do Mubadala não fala sobre novos investimentos.
Ainda maior que o Mubadala em ativos é o Abu Dhabi Investment Authority (Adia), considerado o segundo do mundo, com US$ 828 bilhões —cerca de 15% deles investidos em países emergentes.
O Adia aplica em ações e papéis de dívida, mas não revela quanto tem investido na Bolsa brasileira. “Só não há volume brutal de investimentos porque o marco regulatório ainda não está pronto”, diz Marina.
Medidas práticas para alongar prazos de investimento e aumentam a atratividade, diz o advogado especialista em infraestrutura e regulatório do escritório Porto Lauand, Rodrigo Campos. Ele cita a possível exclusão do prazo máximo de 35 anos para concessões e a possibilidade de que o investidor privado possa reduzir os repasses à União para compensar perdas cambiais.
Também está em estudo permitir que a concessionária possa receber em dólares e também isentar de IR investimentos de fundos estrangeiros em debêntures (títulos privados de dívida) de infraestrutura (hoje, o incentivo vale para pessoas físicas).
Embora considerem dissipado o mal-estar gerado pelas tentativas do governo Dilma de intervir em contratos de concessão e limitar taxas de retorno, os advogados da área ainda veem gargalos.
Para Campos, há lacunas na área de projetos, em especial em logística. “Não há política clara de como atender à demanda do PPI nem técnicos suficientes. E a contratação de consultorias é engessada e muitas vezes travada por ações do TCU e do Ministério Público.” Nessa área, ele considera positiva a adoção do diálogo competitivo, modalidade usada na União Europeia na qual empresas com competência técnica, em vez de participar de licitações, podem apresentar propostas, negociadas a portas abertas, para chegar a consensos de preço e escopo do trabalho.
Outro gargalo é, segundo Marina, o licenciamento ambiental, que embute riscos para projetos de grande porte.