Folha de S.Paulo

Entidades dizem que Simples Nacional é prejudicad­o pela reforma da Câmara

Texto busca limitar uso de crédito tributário; proposta alternativ­a quer ampliar direito ao benefício

- Eduardo Cucolo

são paulo Apesar de a reforma tributária que tramita na Câmara prever a manutenção do Simples Nacional, parlamenta­res e entidades do setor de serviços avaliam que a proposta pode prejudicar micro e pequenas empresas.

Há pelo menos três emendas apresentad­as por deputados, com apoio de entidades privadas, que tratam do Simples. Uma para ampliar o programa, outra para restringi-lo e uma terceira que pode até reduzir a carga tributária de quem está nesse regime.

É esse o caso de uma emenda apresentad­a pelo deputado federal Laércio Oliveira (PP-SE), que acatou uma sugestão do Sescon-SP (sindicato das empresas contábeis de São Paulo), apresentad­a em audiência pública na Câmara. Ele propõe que essas empresas possam abater créditos tributário­s do imposto que têm a pagar.

A proposta de reforma da Câmara (PEC 45) unifica cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), que darão origem ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Também permite que as empresas possam receber como crédito o imposto pago por seus fornecedor­es, além de gerarem créditos para empresas que compram seus produtos.

Pelo texto da Câmara, os contribuin­tes do Simples terão duas opções.

Todos continuam no regime diferencia­do para o pagamento de IRPJ/CSLL e contribuiç­ões sobre a folha de pagamento. Mas poderão escolher como vão recolher os tributos que fazem parte do IBS.

A primeira opção é fazer o pagamento dentro do próprio Simples, com a alíquota atual. Nesse caso, a empresa não pode se apropriar de crédito do imposto nem transferi-lo a terceiros.

Outra opção é recolher a parcela do IBS de forma separada, com uma alíquota maior, mas com direito a crédito tributário, tanto para reduzir o valor a ser pago como para transferir o benefício para empresas que utilizam seus produtos como insumos.

A emenda elaborada pelo Sescon-SP permite que haja crédito tributário em qualquer uma dessas duas hipóteses. De acordo com a entidade, a parcela da alíquota do Simples referente aos tributos que serão unificados varia de 4,65% a 6,61%, a depender do setor. A alíquota nominal estimada para o IBS é de 25%, mas pode ser reduzida a partir dos créditos recebidos.

O economista do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) Bernard Appy, um dos autores da PEC 45, diz que, para as empresas do Simples que estão no meio da cadeira produtiva, ou seja, compram insumos e são fornecedor­as, a melhor opção é entrar no regimento de débito e crédito do IBS.

Para a maioria dessas empresas, que atuam direto com o consumidor final, o melhor é continuar a recolher todos os tributos dentro do Simples.

Segundo Appy, se a empresa receber o crédito comprando de uma fornecedor­a que está fora do Simples e recolher o tributo com alíquota de reduzida, como quer o Sescon-SP, corre-se o risco de criar empresas que funcionem como fábrica de créditos.

Seria o caso de uma companhia que comprasse insumo por R$ 1.000 e o vendesse pelo mesmo preço. Algumas receberiam R$ 250 de crédito e pagariam R$ 10 de imposto, lucrando só com a diferença.

“Você cria fábricas de crédito. É planejamen­to tributário com certeza. Vai ter muita fraude”, afirma Appy.

Reynaldo Lima Júnior, presidente do Sescon-SP, diz que haverá empresas que terão crédito superior ao valor a ser pago de impostos, mas diz acreditar que será um caso excepciona­l. “Se ela consome de empresas que geram mais crédito, vai ficar com saldo credor, mas não acredito muito nisso. Em todas as simulações que fizemos, as empresas do Simples Nacional vão ter aumento de carga tributária, um pouco menos na indústria e mais no comércio e serviços”, afirma Lima Júnior.

Appy discorda. “As empresas do Simples não estão sendo prejudicad­as de jeito nenhum. Para quem está nomeio da cadeia, o sistema é totalmente não cumulativo, ela não está recolhendo imposto [sobre os insumos]”, afirma.

O presidente do Sescon-SP diz que as empresas fornecedor­as que não gerarem crédito vão perder espaço para aquelas que geram o benefício para quem consome seus insumos. Afirma ainda que há empresas do Simples que utilizam créditos tributário­s (PIS/Cofins, por exemplo), e ficarão sem essa opção.

Appy diz que há exceções referentes a crédito de PIS/Cofins e ICMS, mas que são casos isolados e que causam distorções no sistema tributário.

O economista do CCiF diz que estudou colocar uma terceira opção no texto da reforma: não permitir o abatimento de imposto pela empresa do Simples, mas deixar que ela transferis­se como crédito o valor referente à alíquota reduzida para seus clientes. Mas avaliou-se que esse sistema seria desvantajo­so para essas empresas.

washington O FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) afirmou nesta sexta-feira (18) que o sistema tributário é o principal obstáculo para investimen­tos no Brasil e que é preciso medidas concretas —que vão além da reforma da Previdênci­a— para que o país atinga um cresciment­o econômico no médio a longo prazo.

O diretor para hemisfério ocidental do Fundo, Aasim Husain, afirmou que é preciso tornar o sistema tributário brasileiro mais eficiente e manter a inflação e os juros baixos para criar um ambiente mais favorável aos investidor­es. Segundo o economista, enquanto a inflação se mantiver “bem comportada”, há espaço para manter uma política monetária acomodatíc­ia, ou seja, de juros baixos.

“O sistema tributário no Brasil tem sido identifica­do como o principal impediment­o para investimen­to no país. A reforma tributária e tornar o sistema mais eficiente são áreas que poderiam ser significat­ivamente melhoradas.”

“Além disso, a liberaliza­ção comercial, o recente acordo entre União Europeia e Mercosul, assim como o plano de privatizaç­ões são outros elementos de reformas estruturai­s que vão contribuir para elevar a produtivid­ade do cresciment­o no médio a longo prazo”, completou.

Há alguns meses, os investidor­es nos EUA têm adiado suas apostas no Brasil pois afirmam que, apesar do discurso de que reformas estão avançando no Congresso, não há reflexo dessas medidas nos índices de cresciment­o econômico do país. Eles têm preferido colocar seu dinheiro em nações emergentes da Ásia.

As previsões de cresciment­o feitas pelo FMI para o Brasil seguem esse desânimo. Os números divulgados na terça (15), durante a reunião anual do Fundo, não são animadoras mesmo se comparadas aos dados previstos para a economia mundial (em forte desacelera­ção) ou aos esperados neste ano para países emergentes ou em desenvolvi­mento.

O Fundo espera um cresciment­o de apenas 0,9% do PIB para este ano —a previsão de abril era de 2,5%—, enquanto as expectativ­as para os demais emergentes foram revistas de 4,5% para 3,9%.

Em 2020, o cresciment­o do PIB brasileiro pode chegar a 2%, de acordo com o Fundo, mas Husain pondera que será possível quantifica­r o impacto das reformas de fato somente quando “os planos se tornarem medidas específica­s.”

“Não incorporam­os isso [quantifica­ção do impacto] em nossas previsões até que as medidas estejam em vigor.”

Secretário critica ‘relação de clientela’ do Brasil com China

Às vésperas da viagem de Jair Bolsonaro à China, na próxima semana, o secretário de comércio exterior do governo, Marcos Troyjo, disse que o Brasil tem uma “relação de clientela” com a China que é preciso ser ampliada e melhorada até alcançar o status de parceria de fato.

Na avaliação de Troyjo, ao contrário dos americanos, o Brasil não tem hoje um relacionam­ento de interdepen­dência com os chineses.

Diante de uma plateia de investidor­es e empresário­s nesta sexta (18), em Washington, o secretário foi questionad­o sobre as vantagens que o Brasil vê na relação com a China, a interlocuç­ão do Planalto com o Congresso americano e a percepção do governo brasileiro sobre o apoio de Donald Trump à entrada do país na OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico).

Troyjo admitiu que é preciso melhorar a comunicaçã­o com os parlamenta­res nos EUA, fazer “a lição de casa” para ingressar de fato na OCDE e trabalhar com “mais sobre a mesa” quando o assunto for a relação com a China.

“Queremos ser parceiros”, declarou o secretário.

“Às vezes usamos palavras que não refletem necessaria­mente a realidade no terreno. Às vezes usamos ‘parceria’ quando, na realidade, o que se tem é uma relação de clientela, é mais como um cliente”, afirmou Troyjo.

“Se você realmente quer passar dessa relação de clientes para algo maior, tem que haver mais sobre a mesa e acho que uma das razões pelas quais o presidente Bolsonaro está indo para a China agora é discutir essas oportunida­des”, completou ele.

Representa­ndo o ministro Paulo Guedes (Economia) — que desistiu de viajar à capital americana— em evento da Câmara de Comércio Brasil-EUA, o secretário declarou ainda que o Brasil precisa “manter sua soberania” nos desdobrame­ntos de qualquer negociação com os chineses, mas que há “muito a fazer” quando o assunto é a relação com Pequim.

Duranteoev­ento,elerespond­ia a perguntas de Donna Hrinak, presidente da Boeing para aAméricaLa­tina,querefleti­uo sentimento de parte dos investidor­eseempresá­riosameric­anosqueain­datêmdúvid­asobre o escopo do acordo comercial entre Brasil e EUA, por exemplo, e têm adiado colocar dinheiro no país enquanto o discurso das reformas não refletir no cresciment­o da economia brasileira —em torno de 1%.

Troyjo se disse otimista com a relação entre Trump e Bolsonaro, mas admitiu que é preciso ir além das reformas para tirar proveito do momento que considera único nas conversas entre os dois países.

Quando esteve em Washington, em março, Bolsonaro saiu da Casa Branca com a promessa de que os EUA apoiariam o ingresso do Brasil na OCDE, mas, na última semana, apesar de autoridade­s americanos reiterarem que dão suporte ao ingresso brasileiro, somente formalizar­am o apoio à entrada de Argentina e Romênia na organizaçã­o.

O movimento frustrou o governo Bolsonaro, que esperava mais assertivid­ade da equipe de Trump.

Troyjo afirmou ainda que o Brasil entende que está passando por um “processo” mas precisa “fazer a lição de casa.”

“Os EUA estão apoiando a entrada do Brasil [na OCDE], eles formalizar­am isso no nível mais alto”, afirmou.

“Nós entendemos que isso é um processo, que é a lição de casa que o Brasil precisa fazer, alguns processos que a OCDE precisa realizar.”

“A reforma tributária e tornar o sistema mais eficiente são áreas que poderiam ser significat­ivamente melhoradas Aasim Husain diretor para hemisfério ocidental do FMI

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Keiny Andrade - 13.ago.2018/Folhapress O secretário de comércio exterior do governo Bolsonaro, Marcos Troyjo

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