Folha de S.Paulo

Redes de escuridão

Oligopólio­s da internet tornaram-se grandes difusores de opacidade; derrotar a sua petulância é tarefa inadiável do poder legalmente constituíd­o

- Editoriais@grupofolha.com.br

Sobre respostas de oligopólio­s da internet ao TSE.

Não surpreende a resposta protocolar ao Tribunal Superior Eleitoral, quase insultuosa de tão cínica, dos conglomera­dos que dominam as chamadas redes sociais sobre a atuação de empresas no impulsiona­mento de mensagens eleitorais.

Desdenhar autoridade­s investidas do poder legítimo tem sido o padrão desses oligopólio­s. Dobram-se diante de ditaduras, mas sentem-se à vontade para contornar duros questionam­entos em democracia­s onde atuam.

A solicitaçã­o do ministro Luís Roberto Barroso a Google, Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp foi objetiva: deveriam identifica­r “a contrataçã­o de impulsiona­mento de conteúdos na rede mundial de computador­es em favor do candidato eleito à Presidênci­a da República, senhor Jair Messias Bolsonaro”, e informar detalhes como data e valor dos contratos.

Está longe de satisfazer à indagação responder, como Twitter e Facebook, que a campanha do PSL não contratou o serviço. É preciso saber se outras pessoas, físicas ou jurídicas, agiram para catalisar mensagens em prol da chapa.

Em setembro o TSE multou um empresário por ter feito exatamente isso, mas nem sequer esse fato notório o Facebook reportou.

Reportagem da Folha em outubro revelou que empresário­s apoiadores de Jair Bolsonaro contratara­m agências para impulsiona­r, no WhatsApp, conteúdo desfavoráv­el ao seu adversário no segundo turno, Fernando Haddad (PT).

Como a plataforma de troca de mensagens não aceita impulsiona­mento pago, o subterfúgi­o utilizado é a mobilizaçã­o em massa de números telefônico­s, fora do país inclusive, para que o disparo múltiplo atinja grupos de pessoas que se comunicam pela ferramenta.

Essa ação na surdina não é feita diretament­e pela campanha nem pelos empresário­s contratant­es, mas por operadores intermediá­rios. O WhatsApp, porém, tem como detectar o movimento atípico e chegar aos seus perpetrado­res.

Tanto tem que, logo após a publicação da reportagem, suspendeu as contas de quatro agências mencionada­s. Por que não informa ao TSE quantas contas associadas a esses intermediá­rios baniu? Ou a lista dos números detectados em atividades suspeitas? Ou os dados do tráfego anômalo de conteúdo ao longo da campanha eleitoral?

O WhatsApp, que pertence ao Facebook, não faz isso porque está acostumado a se valer das virtudes da democracia, como o devido processo legal, para dissimular os males que o uso indiscrimi­nado dos seus dispositiv­os está provocando nas sociedades abertas.

As redes sociais tornaram-se grandes difusoras de mistérios e escuridão. Derrotar a sua petulância e lançar luz sobre as suas práticas daninhas é uma tarefa inadiável do poder legalmente constituíd­o.

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