Folha de S.Paulo

Diretor volta à cultura sulista com trama entre a ficção e a realidade

- Andrea Ormond

“Soy gaucho, y entiendaló/Como mi lengua lo esplica:/Para mi la tierra es chica/Y pudiera ser mayor;/ Ni la víbora me pica/Ni quema mi frente el sol”.

Assim falou Martín Fierro, herói nacional argentino criado por José Hernández.

Em “A Cabeça de Gumercindo Saraiva”, os versos são lidos enquanto o capitão Francisco Saraiva (Leonardo Machado), filho de Gumercindo, descansa com seu bando. Em poucas palavras, entendemos a alma do “gaúcho”: ele que não é apenas brasileiro, mas dos pampas.

Tabajara Ruas dirige, corroteiri­za e coproduz com Ligia Walper. Ele volta aos ancestrais da cultura sulista, como faz na literatura —seu livro “Gumercindo” foi base para o longa— e no cinema —“Netto Perde Sua Alma” (2001).

A trama se passa em 1895, durante a Revolução Federalist­a, entre a ficção e a realidade. Capitão Francisco, o bárbaro. Major Ramiro de Oliveira (Murilo Rosa), o homem da lei.

Mas é a lei à brasileira: exumaram o cadáver de Gumercindo, um líder rebelde. Cortaramlh­e a cabeça e o major tem que levá-la à sede do governo, em Porto Alegre, como souvenir.

O grafismo de sangue e violência é leve. A brutalidad­e atormenta Ramiro, que carrega a narrativa com Francisco, seu duplo.

Se os Estados Unidos têm os caubóis, temos os gaúchos. Foras da lei curtidos no vento, com lenços no pescoço, botas, cavalos, revólveres. O opiáceo da liberdade, que Carlos Hugo Christense­n levou ao cinema em “A Intrusa” (1979), adaptação do conto de Borges.

A loucura poética de “A Intrusa” aparece apenas de relance no longa. Um marechal desafia as leis de Deus. A narrativa passa então do naturalism­o para o inesperado —o padre é tão louco quanto o marechal, que jura ter conversado com a alma de Gumercindo.

Mas o interlúdio é breve e logo Tabajara retoma as trocas de tiros que soam às vezes inverossím­eis. Destaque para a bela atuação de Leonardo Machado, que tem a consciênci­a do mito que traz para as telas.

Embora sem grandes saltos estéticos, “A Cabeça de Gumercindo Saraiva” é celebração de uma história que merece ser lembrada.

 ?? Divulgação ?? Murilo Rosa em cena de ‘A Cabeça de Gumercindo Saraiva’
Divulgação Murilo Rosa em cena de ‘A Cabeça de Gumercindo Saraiva’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil