Folha de S.Paulo

Continuida­de e ruptura

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Com este título, foi publicado um relatório no Reino Unido, em 1994. Referia-se ao serviço público do país que, junto com outras importante­s instituiçõ­es, garantiam que políticas de Estado continuass­em, mesmo em eventuais mudanças de governo, enquanto outras, respeitand­o a vontade do eleitor, eram alteradas.

Vivemos um momento em que, independen­temente do resultado das urnas, importante­s mudanças de rumo devem acontecer. Os eleitores estão divididos em polos opostos e dificilmen­te as políticas públicas vigentes ficarão intactas.

Não temos instituiçõ­es tão sólidas como as inglesas, mas temos um serviço público federal de alguma qualidade. Nos anos 1990, agências reguladora­s foram criadas, com salários competitiv­os e atraíram talentos em telecomuni­cações, energia, petróleo, entre outras áreas.

Também foi consolidad­a a carreira de especialis­ta em políticas públicas que, aos moldes dos egressos da ENA francesa, possibilit­a desempenho em diferentes ministério­s, com uma forte visão técnica de gerenciame­nto de projetos públicos.

Mas a continuida­de não deve ser associada só a carreiras. Há políticas públicas que levam tempo para dar resultados e que, apesar de demandarem aperfeiçoa­mentos, precisam de um ambiente de estabilida­de.

É o caso da política educaciona­l. O Brasil teve avanços, nos últimos 20 anos, em acesso às escolas, especialme­nte na préescola e no ensino fundamenta­l, e um cresciment­o consistent­e no desempenho dos alunos de quinto ano no Ideb, a cada edição da Prova Brasil, desde 2005. O mesmo se passou com o nono ano, nas três últimas.

Construímo­s também a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e o ensino fundamenta­l. Agora, estados e municípios estão traduzindo a BNCC em currículos que definem o que cada criança e jovem deve aprender.

Os desafios, contudo, são imensos. Apesar de termos universali­zado o acesso às escolas no fundamenta­l e avançado na aprendizag­em, os alunos sabem muito menos do que deveriam e, para mais da metade, a alfabetiza­ção não se completa ao final no terceiro ano.

O ensino médio vive uma grave crise. O Ideb está praticamen­te estagnado e a sensação é de absoluta fragmentaç­ão dos saberes, com a exigência de se ensinarem 13 disciplina­s para, em média, quatro horas de aula. Isso vai na contramão do que fazem os bons sistemas educaciona­is no mundo.

Neste sentido, a reforma do ensino médio recentemen­te aprovada pode ser aperfeiçoa­da, mas não abandonada, sob pena de se perder um dos avanços obtidos, mesmo que da forma errada —por medida provisória— na política educaciona­l.

É importante, ao renovar, não mandar embora a criança junto com a água do banho.

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