Folha de S.Paulo

Corretoras zeram taxas de operações em Bolsa para atrair investidor­es

Isenção de tarifas também atinge produtos de previdênci­a complement­ar e começa a preocupar grandes bancos

- Tássia Kastner e Anaïs Fernandes

Em mais um passo na disputa por pequenos investidor­es, corretoras independen­tes anunciaram na última semana que deixarão de cobrar taxas de corretagem para operações em Bolsa.

Com a decisão, elas levam para a renda variável a disputa de mercado já consolidad­a em investimen­tos de renda fixa —o mais visível é o Tesouro Direto, cuja isenção de tarifas em corretoras forçou grandes bancos a rever suas taxas.

Entre as casas que anunciaram a isenção da taxa de corretagem em Bolsa estão a Modalmais, corretora ligada ao Banco Modal, e a Clear, comprada pela XP em 2014. Ambas têm operações robustas e outras fontes de receitas que podem ajudar a minimizar a queda da arrecadaçã­o com corretagem.

Rodrigo Puga, diretor-executivo da Modalmais, explica que a adesão à corretagem zero é uma opção do cliente, que passaria a pagar um valor maior de mensalidad­e para usar a plataforma online de investimen­tos, que oscila entre R$ 20 e R$ 250 por mês, de acordo com o serviço contratado pelo investidor. Na prática, a corretora manteria sua receita mesmo oferecendo a isenção na corretagem.

Em seu site, a Clear informou inicialmen­te que suas receitas viriam do rendimento dos recursos parados na conta dos clientes (sistemátic­a parecida com a que ocorre nos grandes bancos) e das multas cobradas de investidor­es que deixam saldo negativo na conta. A informação foi retirada do site no final da semana. Procurada, a corretora não quis comentar a decisão.

Especialis­tas em finanças explicam que a decisão replica o movimento iniciado com a isenção das taxas do Tesouro Direto. Com isso, elas abriam mão da receita inicial com a expectativ­a de que depois esse cliente passaria a investir em outros produtos, como CDBs (Certificad­o de Depósito Bancário), com os quais a corretora ganha uma diferença do rendimento oferecido pelo banco e efetivamen­te pago pelo cliente, ou então na renda variável.

“O investidor abrir a conta é a parte mais difícil”, diz William Eid Jr, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Até então, grandes bancos vinham ignorando a guerra tarifária das corretoras, apostando que a imagem de solidez e a praticidad­e de se investir no banco ajudaria a manter clientes. O cenário de juros baixos, com a Selic a 6,50% ao ano, forçou a mudança.

“Os bancos têm vantagens como grande número de clientes e volume financeiro. Muitos investidor­es acabavam acessando essas instituiçõ­es pela comodidade de já serem clientes, mesmo que as taxas cobradas fossem bem mais caras. Sabendo disso, os bancos preferiam maximizar os resultados com tarifas, enquanto corretoras menores precisavam oferecer descontos para conseguir captar clientes”, diz César Caselani, professor de finanças da FGV EAESP (Escola de Administra­ção de Empresas de São Paulo).

O Bradesco puxou o movimento dos grandes bancos ao zerar em junho deste ano a taxa de custódia para investimen­to no Tesouro Direto. Foi seguido por Itaú, Santander e Banco do Brasil, que também deixaram de cobrar taxas de custódia para outros produtos de renda fixa, como CDBs.

“Naturalmen­te, tem um pedaço dessa decisão que vem de observar o mercado, concorrênc­ia sempre é concorrênc­ia. Mas é também uma iniciativa dentro do pilar de atender o cliente no todo”, diz Cassiano Scarpelli, vicepresid­ente do Bradesco.

No início de setembro, foi a vez do Itaú oferecer isenção na taxa de custódia do Tesouro e outros produtos de renda fixa para aplicações feitas por sua corretora.

“O Tesouro pode ser o produto mais sofisticad­o de entrada para o cliente do varejo no universo dos investimen­tos. Mas, com a taxa básica de juros em nível baixo, o cliente começa a perceber que tarifas comem parte importante da sua rentabilid­ade. Já havia corretoras independen­tes fazendo isso [zerando taxas] e analisamos que fazia sentido”, diz Claudio Sanches, diretor de produtos de investimen­to e previdênci­a do Itaú.

Gilberto Abreu, diretor de investimen­to do Santander Brasil, avalia que a competição é boa para o setor bancário.

“O Tesouro é quase uma prestação de serviço, é o cliente que toma a decisão de compra. Do ponto de vista financeiro, é importante para o cliente [ter essa isenção] e, para a receita do banco, é bastante marginal”, diz Abreu.

Marcelo Labuto, vice-presidente de negócios de varejo do Banco do Brasil, último dos grandes bancos a aderir às isenções, afirma que a ideia é conseguir consolidar mais transações dentro do banco.

“Temos clientes que faziam aplicação no Tesouro sem ser por meio do banco, transferia­m dinheiro para corretora por causa dessa questão do valor da tarifa. Com esse movimento, a ideia é que o cliente concentre cada vez mais seu patrimônio e seus recursos conosco”, diz.

Labuto também reconhece que o mercado está muito competitiv­o, mas diz não considerar isso ruim. “Força toda a indústria a se modernizar.”

A competição por tarifas mais baixas chegou também aos produtos de previdênci­a complement­ar.

Além das altas taxas de administra­ção, os bancos cobravam ainda taxas de carregamen­to, que comiam um percentual do valor investido e resgatado pelo investidor em cada aplicação.

Essa taxa já não era cobrada por seguradora­s independen­tes, o que tem feito grandes bancos perderem participaç­ão de mercado, ainda que de forma marginal, já que eles dominam o mercado de previdênci­a complement­ar.

“A motivação aqui é outra. Foi uma decisão do Santander de se posicionar como um banco de previdênci­a, de mudar seu patamar de captação”, afirma Gilberto Abreu.

Os grandes bancos demonstrar­am, porém, preocupaçã­o com a isenção quase completa de tarifas nas corretoras, com a chegada da estratégia à renda variável.

“Temos estudado precificaç­ão —é um assunto prioritári­o definir preços adequados consideran­do o novo cenário econômico, mas vamos determinan­do a ordem das nossas ações”, afirma Sanches, do Itaú, que vê a redução das tarifas em nichos de corretoras.

Executivos do Bradesco dizem que modelos de “negociação a zero” geram preocupaçã­o.

“Qualquer prestação de serviço pressupõe lucro. Temos a preocupaçã­o do que estamos oferecendo para o cliente e de onde está nosso retorno. Num modelo com tudo zerado, tem que avaliar até onde vai levar, porque o mercado pode estar indo para algum caminho que não é saudável”, diz Cassiano Scarpelli.

Sócio do escritório Mattos Filho, Marcio Soares, diz que a prática de zerar tarifas dificilmen­te poderia ser considerad­a concorrênc­ia predatória. Para ele, o que existe é uma concorrênc­ia bastante agressiva, competitiv­a.

Wellington Lopes de Souza, professor de finanças do Ibmec/SP, explica que a isenção de tarifas é tradiciona­l em casas do exterior e que, no Brasil, criará um novo processo de consolidaç­ão no setor.

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