Folha de S.Paulo

Sim A crise agora ou mais tarde

Os dois favoritos à Presidênci­a despertam temor na economia

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Sergio Vale Mestre em economia pela Universida­de de Wisconsin (EUA) e economista-chefe da MB Associados

Recessões são eventos econômicos relativame­nte comuns. O Brasil passou 35% dos trimestres desde 1981 em recessão. Pode parecer algo elevado, mas os EUA passaram por recessão em 34% do tempo também desde 1981.

A diferença é a quantidade de recessões. Enquanto os EUA tiveram quatro delas, nós tivemos nove. Ou seja, em média tivemos uma recessão a cada quatro anos no Brasil. Não saberia dizer se é recorde, mas certamente é uma referência preocupant­e.

Essas recessões foram geradas por um conjunto de eventos domésticos e externos, sendo a maioria das causas, como de se esperar, domésticas. As origens domésticas são variadas, mas nos remetem a algum grau elevado de má condução da política econômica. O caso mais recente veio do governo Dilma, cuja conjunção de inabilidad­e política com esgarçamen­to das políticas fiscal e monetária levou à maior recessão de nossa história.

Estamos saindo da última crise e novamente nos deparamos com a questão se há possibilid­ade de nova recessão no próximo mandato presidenci­al. Infelizmen­te, a resposta parece ser sim.

A eleição parece que ficará nas mãos de dois candidatos com visões extremista­s. De um lado, difícil crer que Haddad vá conseguir domar sua tropa de keynesiano­s ávidos para desmontar o novo regime fiscal iniciado em 2016.

A simples não realização das reformas necessária­s, a destacar a da Previdênci­a, mostrará aos investidor­es que o governo não quer fazer o ajuste fiscal mesmo tendo uma dívida próxima de 80% do PIB, e crescente. Não será fácil manter e aperfeiçoa­r o regime fiscal criado se não houver crença dentro do próprio partido do presidente de que isso é necessário.

Não me parece suficiente trazer um grande nome de mercado, pois o problema não é só econômico, mas político, como vimos no dueto Dilma-Levy, que naufragou. A não aprovação das reformas afugentari­a o mercado, causando depreciaçã­o cambial mais intensa, com a já conhecida sequência inflaçãoju­ros altos-recessão. A recessão num governo Haddad poderia vir mais rapidament­e.

Do outro lado, o ultraliber­alismo de Paulo Guedes parece não casar com seu chefe. Pelas idas e vindas da equipe econômica de Bolsonaro, poderemos perder tempo enquanto se tenta a enésima versão de uma reforma da Previdênci­a que terá dificuldad­e de passar pela parca composição política do possível presidente.

Seu temperamen­to provocará dificuldad­es permanente­s com o Congresso, sem falar nos riscos de autoritari­smo. Por exemplo, no ano do autogolpe de Fujimori no Peru, em 1992, o PIB caiu 0,5%. Pode parecer absurdo falar em autogolpe, mas basta lembrar que isso foi sugestão do candidato a vice, general Mourão. Uma recessão sob Bolsonaro poderia vir mais tarde, após as tentativas frustradas de reforma.

Nos dois casos, a falta de um controle nos gastos da Previdênci­a pode forçar a um ajuste mais severo na arrecadaçã­o. Mas diversos estudos têm mostrado que ajustes fiscais baseados em aumentos de impostos em uma economia ainda enfraqueci­da só aprofundam a recessão.

Mais preocupant­e ainda, não parece haver vontade de nenhum dos dois lados de baixar as armas. Durma com uma crise dessas.

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