Folha de S.Paulo

Sistema permite fiscalizar o cerrado em tempo real

Sistema similar ao da Amazônia ajudará Ibama a monitorar o bioma, que já perdeu 46% da cobertura

- Marcelo Leite

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) pôs no ar nesta quinta-feira (27) uma ferramenta digital que permite a qualquer pessoa fiscalizar em tempo quase real a devastação do cerrado. Segundo maior bioma do país (24% do território), a savana brasileira já teve 46% da vegetação natural destruída, contra 20% da Amazônia.

Ainda em versão beta, o Deter Cerrado indica que, de 1º de agosto de 2017 a 31 de julho de 2018, houve perda de 4.718 km2 (mais que o triplo da área do município de São Paulo). Desde então, outros 1.032 km2 foram derrubados.

No período anterior, 2016/2017, a cifra oficial de devastação do cerrado, apurada por sistema de monitorame­nto mais preciso (Prodes), ficou em 7.408 km2. As duas quantidade­s não podem ser diretament­e comparadas porque usam imagens de resolução e periodicid­ade diversas.

O lançamento do Deter Cerrado ocorreu num seminário que apresentou o sistema para duas centenas de técnicos em geoprocess­amento e autoridade­s ambientais dos estados que têm áreas de savana.

O Deter Cerrado está disponível para o público em terrabrasi­lis.dpi.inpe.br. Assim como o programa de mesmo nome usado na Amazônia, sua função é produzir alertas diários de desmatamen­to para o Ibama verificar se a derrubada é legal e, se for o caso, autuar os infratores.

Os fiscais têm cinco dias para agir em campo, guiados pelos alertas do Deter. Depois disso, a informação fica disponível para o público na página do Terra Brasilis (se fosse divulgada antes, poderia alertar os desmatador­es ilegais).

“Desde maio os polígonos [áreas de desmatamen­to] vão para os órgãos de fiscalizaç­ão”, conta Cláudio Almeida, que coordena o trabalho. “Hoje ficam disponívei­s também para o púbico, e a sociedade passa a consumir os dados.”

A cada dia, no caso do Deter, técnicos da área de Observação da Terra do Inpe se debruçam sobre quadrados de 20 km x 20 km e comparam imagens de satélite novas com “máscaras” que mostram onde a vegetação natural já havia sido suprimida antes.

Cada cena examinada permite escrutinar pixels de 60 m X 60 m. Quando o Prodes foi desenvolvi­do para monitorar a Amazônia, a resolução era bem pior, de 250 m X 250 m.

Técnicos do Inpe interpreta­m tudo que aparece nas imagens e apontam áreas suspeitas de supressão com no mínimo três hectares (mais ou menos quatro campos de futebol). Nesse trabalho, podem lançar mão de imagens de outros satélites, com resolução de5mX5mou3­mX3m,que permitem enxergar até bebedouros de gado no pasto.

Os 20 maiores polígonos com perda de vegetação detectados são auditados por supervisor­es e, em caso de dúvidas, devolvidos para reinterpre­tação. Outros 10% são auditados por amostragem.

Desde maio passado, quando os alertas começaram a ser enviados ao órgão federal de fiscalizaç­ão, 16.158 polígonos de derrubada foram identifica­dos. As verificaçõ­es revelaram índice de acerto de 91%.

No último dia 1º, ao visitar uma grande derrubada em Ponte Alta de Tocantins, investigad­ores do Inpe encontrara­m no polígono selecionad­o não só a vegetação suprimida ainda empilhada em leiras como havia tratores já preparando o solo para plantio.

No cerrado está a maior frente de expansão da agropecuár­ia, para produzir soja, milho, algodão e carne, principalm­ente. A conversão de áreas naturais começou pelo sul do bioma e avança para o norte, chegando ao Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

O cerrado é uma formação complexa, que abrange desde áreas florestada­s, os cerradões, até áreas campestres, como os campos limpos. Nas imagens de satélite, precisam ser separadas do que é pasto, terra nua e áreas cultivadas.

Do ponto de vista da interpreta­ção do que se encontra sobre o solo, “a Amazônia era um playground, sempre verde”, disse no seminário Dalton Valeriano, um dos pioneiros do Inpe em sensoriame­nto remoto aplicado à cobertura vegetal. No cerrado, “a vegetação é muito mais complexa”.

Com cerca de 2 milhões de km2, a savana brasileira tem cerca da metade da área de floresta amazônica e o dobro da de mata atlântica. É uma região decisiva para manutenção dos recursos hídricos do país e para sua política de combate à mudança climática.

Ela foi considerad­a área de interesse de biodiversi­dade pela ONG Conservaçã­o Internacio­nal, pois está sob grande pressão e abriga mais de 20 mil espécies de plantas e 263 de mamíferos. Segundo Valeriano, o grau de destruição do bioma se aproxima do que chamou de “número mágico” para a conservaçã­o da biodiversi­dade, 62% de perdas.

Acima disso, não ocorre “percolação”, ou seja, a fauna não encontra mais corredores naturais sombreados para circular e encontrar sustento e parceiros para se reproduzir.

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Avener Prado - 3.mai.2018/Folhapress Campo de soja no município de Luís Eduardo Magalhães (BA), no cerrado brasileiro
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