Folha de S.Paulo

A elite do país quer tiro, porrada e bomba

É espantoso que parte consideráv­el das elites ignore por que os pobres votam no PT

- Reinaldo Azevedo Jornalista, autor de “O País dos Petralhas” I e II

Quando os liberais brasileiro­s foram convocados ao desafio de mobilizar as forças de mercado para responder com políticas públicas às demandas da nossa ainda formidável pobreza, parte deles não hesitou em escolher o caminho do tiro, porrada e bomba.

Liberais nada! Trata-se de uma gente grotescame­nte reacionári­a, que tem ódio e medo de pobre e de preto. Não importa o resultado das urnas, ou se guardam as garruchas, ou vamos constatar que países não conhecem o fundo do poço. Jair Bolsonaro quer aulas de Educação Moral e Cívica para o povo. Quem educará as elites?

O petista Fernando Haddad estará no segundo turno por obra, em parte, da Lava Jato, da direita xucra e de quantos assistiram inermes, quando não com aplausos, às duas tentativas de deposição de Michel Temer. Antevi o resultado (http:/ folha.com/no1859510) neste espaço, em fevereiro do ano passado: “Se todos são iguais, Lula é melhor”. No reverso da moeda, a resposta é outra: “Se todos são iguais, viva a pistola!”

Mas falta um dado à equação. O PT chega a essa posição também por seus méritos, não porque praticou as esbórnias do mensalão e do petrolão. Abstraindo-se o desastre do governo Dilma, os muito pobres sabem por que votam no partido. E é por bons motivos —bons para eles, os muito pobres, realidade que está distante de nós, meu querido leitor, “meu semelhante”. Os oito anos de Lula forneceram para aquela gente, tratada com desdém pelos brucutus das redes sociais, um prenúncio ao menos de distribuiç­ão de renda. É questão de número, não de gosto. E foi coisa pouca.

Não posso avançar sem que emende: os muito ricos, que hoje veem no PT o sinônimo do mal, não tinham do que reclamar nem no governo Dilma. Alguns, aliás, aproveitar­am a tibieza e a irresponsa­bilidade da gestão da governanta para arrancar renúncias fiscais abusivas, que contribuír­am para expulsá-la do poder. Sob o aplauso dos beneficiár­ios das mamatas.

“Mudou de lado? E os textos e os livros contra os petralhas?” Eu os subscrevo a todos ainda hoje. Procurem um só artigo meu atacando medidas para minorar a pobreza —“cotismo” é outra conversa. Eu me recusei —e me recusarei sempre— a trocar inclusão social por um projeto de hegemonia política, que cometeu o erro adicional de instrument­alizar o Ministério Público e setores do Judiciário contra seus adversário­s. O PT alimentou o Leviatã de toga que hoje tenta destruir o espaço público. Não se deve dar nem a fardados nem a togados o gostinho da política.

Eles engolem seus patronos. Os primeiros cassaram Carlos Lacerda. Os outros meteram Lula na cadeia. O PT é

Não se deve dar nem a fardados nem a togados o gostinho da política. Eles engolem seus patronos. Os primeiros cassaram Carlos Lacerda. Os outros meteram Lula na cadeia.

o principal responsáve­l por haver procurador­es e juízes que ignoram a Constituiç­ão, não é mesmo, Roberto Barroso? Na prática, esses valentes inimputáve­is criaram um novo partido. E com poder de polícia. Nem os stalinista­s cometeram essa sandice. Os nazistas sim.

Vamos ver o que o futuro governante, qualquer que seja, vai fazer do mapa eleitoral que herdar. Será, por si, um grave sinal de advertênci­a. É constrange­dor ter de escrever isto em 2018, mas nós estamos ainda, em muitos aspectos, no universo de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Pausa: é a hora em que certo tipo retira as duas mãos do chão, vai ao Google para saber quem é esse e corre à área de comentário­s: “Reinaldo está citando um comunista; coisa do Foro de São Paulo”. Há quem pense, inclusive, que o tal foro é um prédio que pode ser demolido... De volta ao romance.

Sinhá Vitória só se dava ao direito de sonhar com uma cama de ripas quando chovia. Quando chovia, Fabiano mudava sua economia de palavras. É espantoso que parte consideráv­el das elites brasileira­s ignore as razões por que os muito pobres votam no PT, reduzindoo­s à categoria dos “mortadelas” preguiçoso­s. A mortadela sem metáfora ainda não chegou aos grotões do Vale do Ribeira, em São Paulo, ou do Vale do Jequitinho­nha, em Minas, para ficar em dois estados ricos.

Não há solidão maior no Brasil do que a de um liberal. Os esquerdist­as têm, ao menos, aqueles a quem chamam “companheir­os”. Já fui brasileiro como eles. “Mas há uma hora em que os bares se fecham/ e todas as virtudes se negam.”

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