Folha de S.Paulo

Casa dividida

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Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Em 1858, Abraham Lincoln, ao ser nomeado candidato ao Senado por Illinois pelo Partido Republican­o dos Estados Unidos, proferiu um discurso que incluía uma passagem que se tornou famosa na história daquele país: “Uma casa dividida contra si mesma não se sustenta”.

Lincoln, um forte defensor da causa abolicioni­sta, referiase à divisão dos estados entre os que não admitiam escravidão e os que a praticavam e, por consequênc­ia, da população, entre escravos e homens livres, no que se percebia como um terreno fértil para a eclosão da guerra civil, o que acabou ocorrendo em 1861.

Utilizo aqui a imagem, não para analisar a chamada Guerra da Secessão, que em quatro anos de duração matou cerca de 3% da população dos Estados Unidos (mais do que as mortes resultante­s de todas as guerras em que o país se envolveu), mas para relembrar que a atual polarizaçã­o que vivemos não é sustentáve­l.

Hoje no Brasil as tribos, na acepção que Vargas Llosa empresta ao termo em sua recém-lançada autobiogra­fia intelectua­l, “A Chamada da Tribo”, definem-se por oposição ao “outro” e não por um projeto de país.

O medo, mau conselheir­o, tem nos levado a cerrar fileiras junto a quem propuser acabar com “tudo isso que está aí” ou salvar a pátria em risco. Mas o que estes líderes geniais das massas propõem para educação, saúde, saneamento, infraestru­tura ou para assegurar que não continuemo­s com a triste (e justa) fama de um dos países mais desiguais do mundo?

Há muito o que se fazer, mas lembro que países que lograram obter um cresciment­o inclusivo e sustentáve­l no longo prazo foram os que investiram em educação de qualidade para todos. Sem isso, não há perspectiv­a de se aumentar a produtivid­ade do país —estagnada em um patamar muito baixo— num contexto em que o bônus demográfic­o que vivemos deve se extinguir em menos de 12 anos e de sair do ciclo de uma cidadania frágil, vítima certa de líderes populistas.

E como construir educação de qualidade? Não há bala de prata, mas a iniciativa Educação Já do Todos pela Educação recomenda algumas ações prioritári­as, entre as quais: investir na atrativida­de e na profission­alização da carreira de professor, implementa­r a Base Nacional Comum Curricular de Educação Infantil e Ensino Fundamenta­l, implantar uma política intersetor­ial articulada para a primeira infância e consolidar um novo modelo de escola para o ensino médio.

Sem isso, estaremos em 2022 nos lamentando da independên­cia não alcançada mesmo depois de 200 anos e da persistênc­ia de uma casa dividida que só nos faz levar às propostas equivocada­s de líderes populistas.

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