EXPEDIÇÃO ENCONTRA AS MAIORES ÁRVORES DA MATA ATLÂNTICA
O botânico Ricardo Cardim ao lado de figueira na reserva Legado das Águas, a 90 km da capital paulista; segundo o estudioso, as árvores remanescentes ajudam a contar a história da mata
A exuberância das árvores gigantes chama a atenção do botânico Ricardo Cardim desde que ele era criança. “Sempre as achei fascinantes e pensava como é que podiam crescer tanto”, conta. “Mas elas foram sumindo. São uma sombra da floresta original. Hoje temos árvores jovens que não tiveram tempo de crescer.”
Nos últimos três meses, Cardim e o fotógrafo Cassio Vasconcellos viajaram para Santa Catarina, Paraná, São Paulo (litoral e interior do estado), Espírito Santo, Bahia e Alagoas em busca das árvores gigantes remanescentes da mata atlântica.
Para achá-las, a dupla contou com a ajuda de acervos históricos, botânicos com grande experiência de campo, funcionários de parques e reservas e dicas via redes sociais. O botânico Luciano Zandoná esteve em todas as expedições e ajudou na “caça”.
O trabalho colaborativo deu bons frutos: 90 indivíduos fotografados.
A menina dos olhos do botânico é uma figueira, a maior de que se tem conhecimento na mata atlântica, com cerca de 40 m de altura e 21,4 m de circunferência, localizada na reserva Legado das Águas, da Votorantim, no estado de São Paulo. Cardim descreve como “surreal” a experiência de encontrá-la a apenas cerca de 90 km da capital paulista, após percorrer 11 km de caminhada dentro da reserva.
Outro grande achado —literalmente— foi a segunda maior árvore do estado de São Paulo, um jequitibá-rosa com mais de 40 m de altura batizado de matriarca, por ficar próximo do jequitibá-rosa conhecido como patriarca. Esse último, em Santa Rita do Passa Quatro (SP), é considerado a árvore mais antiga do Brasil, com idade estimada de 3.000 anos.
A descoberta da matriarca foi feita em conjunto com Waldonésio Nascimento, agente do parque estadual do Vassununga, e Fabrício Cunha, gestor do parque da Fundação Florestal.
Completa o top 3 de Cardim o maior pau-brasil do país, com 25 m de altura. A árvore que dá nome ao país começou a ser explorada com a chegada dos portugueses e já foi considerada extinta.
Para Cardim, as árvores remanescentes contam uma história da mata atlântica. “Muita gente hoje acha que a mata é só um fragmento perto da casa de praia”, diz ele.
No ano passado, Cardim foi o curador da exposição “Remanescentes da Mata Atlântica & Acervo MCB” no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. A ideia era conectar os móveis antigos da instituição com as árvores que deram origem a eles. Fotos antigas da mata contam a história dela e de seu desmatamento.
A própria localização do museu, às margens da antiga várzea do rio Pinheiros, abrigava formações florestais de matas ciliares em diques úmidos e secos que foram suprimidas e aterradas.
“Na exposição, muita gente me perguntava se ainda existiam muitas das árvores centenárias retratadas nas imagens. E não se sabia. Faltava preencher essa lacuna.”
Para Marcia Hirota, diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, o projeto reforça a importância da preservação da floresta. “O trabalho do Ricardo vem educando a população sobre o que ainda temos de riqueza. É importante saber como a mata era antes para de alguma forma tentar reconstitui-la.”
Hoje, sobram apenas 12,4% da mata atlântica original. “O que temos são ilhas de florestas espalhadas em locais como a serra do Mar, a serra da Mantiqueira, em encostas, no Vale do Ribeira, onde estão as maiores reservas contínuas.”
Na cidade de São Paulo, sobra 17% de toda a mata atlântica original. Aqui, ela pode ser vista nos parques Trianon e Burle Marx, por exemplo.
Mas há boas notícias: o desmatamento na mata atlântica em 2017 foi o menor registrado desde os anos 1980, quando começou o monitoramento sistemático das ameaças ao bioma.
A expedição de Cardim e Vasconcellos foi possível graças ao patrocínio de Fibria Celulose, Reservas Votorantim, Viveiros Fábricas de Árvores e Café Orfeu. O retrato das árvores virará um livro, a ser lançado em novembro pela editora Olhares.