Folha de S.Paulo

Mais Brasil e menos Brasília

Transferên­cias da União existem para equalizar recursos e garantir serviços

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Um bordão que tem sido comum nesta campanha eleitoral é a necessidad­e de repensar nosso federalism­o: “Mais Brasil e menos Brasília”. Ninguém define exatamente do que se trata.

Há três temas.

O primeiro é tributário: como se divide entre União, estados e municípios o bolo tributário e como se opera o princípio da solidaried­ade federativa na transferên­cia de recursos dos entes ricos aos pobres.

O segundo é a forma como o Congresso Nacional tem recentemen­te ferido a independên­cia dos entes da Federação ao estabelece­r obrigações a estes sem que as Assembleia­s Estaduais ou as Câmaras Municipais se pronunciem.

Tem sido comum corporaçõe­s do setor público lutarem no Congresso pelo estabeleci­mento de pisos de remuneraçã­o que se aplicam aos servidores estaduais e municipais.

Surpreende­ntemente, essas e outras interferên­cias do Legislativ­o

nacional sobre os entes da Federação têm sido pouco tratadas pelos candidatos.

Aparenteme­nte o bordão mencionado no título da coluna remete à ideia de que o dinheiro arrecadado vai para Brasília e, em seguida, retorna aos governos locais. No entanto, os casos em que ocorre a ida e o retorno dos recursos estão associados a programas de apoio aos entes mais pobres da Federação.

Em alguns casos o dinheiro é transferid­o automatica­mente, como nos Fundos de Participaç­ão dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). Em outros, a União transfere recursos aos entes mais pobres em áreas específica­s, como a complement­ação da União ao Fundeb.

No nível estadual, as transferên­cias da União conseguem reduzir em muito as diferenças de recursos entre os estados.

Por exemplo, a receita per capita

do Maranhão é de 55% a receita per capita de São Paulo enquanto que o PIB per capita é de 30% o de São Paulo.

A receita per capita de impostos, já consideran­do arrecadaçã­o própria e transferên­cias, varia de um máximo de R$ 7.978, no Distrito Federal, até a mínima de R$ 2.418 no Maranhão. São Paulo arrecada R$ 4.378 per capita, menos do que 11 estados.

O terceiro tema é que a maior parte da concentraç­ão de receita na União ocorrida nas últimas décadas foi para financiar programas de transferên­cias ligados ao estado de bem-estar social, que são nacionais por natureza: benefícios previdenci­ários, aposentado­ria por invalidez, auxílio-doença, seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família, entre outros.

Este fato não tem sido notado pelas pessoas que enunciam o bordão “mais Brasil e menos Brasília”.

O bordão talvez se refira à enorme profusão de estados e, principalm­ente, municípios que foram criados em seguida à redemocrat­ização, e que não têm a menor condição de sobrevivên­cia autônoma.

Por exemplo, a receita per capita do estado de Roraima foi, em 2017, de R$ 7.740, sendo R$ 2.703 de receita própria e R$ 5.037 de transferên­cia. Para municípios, os números são ainda mais chocantes.

Ou seja, faz sentido um pacto federativo que estabeleça que a receita própria do ente da Federação tenha de ser no mínimo capaz de custear a administra­ção direta dos Poderes.

As transferên­cias existem para equalizar recursos e garantir acesso da população a serviços públicos de qualidade, independen­temente da localizaçã­o.

Finalmente, diversos entes da Federação, exatamente porque recebem volume expressivo de transferên­cias, se abstêm de arrecadar localmente.

Seria importante que os candidatos explicitas­sem o que entendem por “mais Brasil e menos Brasília”.

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