Folha de S.Paulo

Encontros secretos com oficiais rebeldes revelam menos do que parece

- Oliver Stuenkel Professor-adjunto de relações internacio­nais da FGV-SP

Como era esperado, a revelação do The New York Times de que o governo Trump reuniuse secretamen­te com militares da Venezuela que planejavam um golpe contra Nicolás Maduro gerou fortes reações na América Latina.

A informação será explorada por Maduro, que precisa convencer a população de que a crise do país é produto da intromissã­o estrangeir­a, e não de uma política econômica equivocada.

No entanto, o encontro diz pouco sobre qual será a estratégia dos EUA em relação à Venezuela, e não prova que Washington desejaria ou apoiaria um golpe militar em Caracas.

De fato, é comum que figuras da oposição de países do mundo inteiro se reúnam regularmen­te com representa­ntes tanto do governo dos EUA quanto de outras potências.

Sobretudo quando se trata da oposição em países não democrátic­os, é comum que as reuniões ocorram secretamen­te para proteger os interlocut­ores.

Manter um diálogo com todas as partes do espectro político é crucial para antecipar desdobrame­ntos políticos no país em questão, sobretudo em momentos de crise.

O governo chinês, por exemplo, está há anos em contato regular com os adversário­s de Maduro para obter uma compreensã­o mais completa da dinâmica política na Venezuela, embora Pequim seja um dos principais aliados de Maduro. No entanto, a China, pragmatica­mente, não quer ficar sem bons contatos caso a turma de Maduro seja derrubada.

O jornal americano enfatiza que um dos interlocut­ores na conversa, ironicamen­te, é alvo das sanções dos EUA a funcionári­os corruptos do regime venezuelan­o. Faz todo sentido: se um golpe acontecer, ele virá de um grupo aliado a Maduro, não da oposição oficial, isolada e desorganiz­ada.

Alguns políticos nos EUA —sobretudo o senador republican­o Marco Rubio, da Flórida— defendem uma atuação mais assertiva na Venezuela, acima de tudo por razões eleitorais.

A maioria do establishm­ent em Washington, porém, não vê a proposta com bons olhos. De fato, incentivar um golpe em Caracas dificilmen­te levaria ao retorno da democracia no país. No entanto, uma ruptura política poderia aumentar ainda mais o fluxo de refugiados para os países vizinhos, desestabil­izando a região.

O episódio remete à situação prévia ao golpe de 2002, quando generais venezuelan­os viajaram para Washington para avaliar se o governo americano apoiaria uma ação militar contra Hugo Chávez (1954-2013).

O governo George W. Bush sinalizou que apoiaria uma transição democrátic­a, mas não um golpe. Mal planejado e mal executado, o golpe fracassou. Da mesma maneira, vários dos participan­tes das conversas recentes já foram presos por Maduro.

Apesar de comentário­s de Trump sobre um envolvimen­to militar na Venezuela, a probabilid­ade de qualquer ação de Washington ainda é pequena, particular­mente enquanto o secretário de Defesa James Mattis permanecer no cargo.

A pessoa que mais fala sobre o assunto não é Trump, mas o vice, Mike Pence, sinal de que não é uma prioridade da política externa neste momento.

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