Folha de S.Paulo

BOB WOLFENSON

- Gustavo Fioratti

são paulo O escritor João Cabral de Melo Neto não estava sabendo que haviam marcado, em nome dele, uma sessão de retratos ali na Academia Brasileira de Letras. Era uma tarde de 1995, no Rio de Janeiro, e Bob Wolfenson já aguardava com o seu equipament­o fotográfic­o a postos.

Hoje o fotógrafo paulistano avalia que essa participaç­ão a contragost­o resultou em uma de suas melhores fotos. O pernambuca­no, autor de “Morte e Vida Severina”, aparece de olhos fechados, boca de quem tem sono, a mão no queixo como quem espera que algo passe bem depressa.

A obra faz parte do conjunto de mais de 200 fotografia­s que compõem uma mostra de Wolfenson programada para abrir nesta quinta para convidados e na sexta para o público, no Espaço Cultural Porto Seguro, no centro paulistano.

Dividida em três salas, elas percorrem as quase cinco décadas de carreira de um profission­al que se notabilizo­u por ter clicado celebridad­es para publicaçõe­s jornalísti­cas e de moda, além de campanhas publicitár­ias.

A seleção diz respeito ao primeiro tópico, revelando facetas de atores, políticos, esportista­s, modelos, músicos.

O que Wolfenson extrai como retratista não depende do tempo que dedicou a cada um dos retratados. Diz que suas sessões não costumam demorar muito, embora a qualidade de seu trabalho se imponha como construçõe­s de uma natureza simétrica e calculada.

“Cartier Bresson falava que, mais de 20 minutos depois, você está incomodand­o a pessoa. Eu penso bastante nisso. Não quero atrapalhar ou incomodar o retratado”, ele diz.

Dilma Rousseff, por exemplo, deu a Wolfenson cinco minutos. Verdade que ele se atrasou algumas horas porque quis encaixar, em um mesmo dia, dois compromiss­os, um em São Paulo e o outro em uma Brasília em convulsão.

A presidente estava nos momentos finais de seu governo, bem perto das horas em que o processo de impeachmen­t chegaria ao final, e concedeu uma entrevista para a revista Marie Claire, vestida de preto. Wolfenson mexeu pouco no cenário, uma sala no Palácio do Planalto, retirando só os quadros da parede.

Sobraram, em uma ponta de um banco comprido, a escultura de um anjo barroco, uma coroa de bispo e, na outra, a presidente, que sorriu.

O retrato de Dilma está em uma parede dedicada a políticos, ao lado de imagens de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Paulo Maluf e Marina Silva.

São fotografia­s realizadas para publicaçõe­s como a Folha e vários jornais, além das revistas Vogue, Elle, Playboy e Rolling Stone, entre outras.

Mas também há, na exposição, trabalhos que nunca vieram a público e que fazem parte de uma coleção privada que Wolfenson foi produzindo entre um trabalho e outro.

Sob a curadoria de Rodrigo Villela, a mostra não segue uma cronologia. Vizinha ao lutador Anderson Silva, fotografad­o em estúdio há cinco anos com o cotovelo arqueado como quem se defende de um golpe, a cantora Elis Regina mostra a língua.

A Pimentinha foi retratada em 1975, quando ensaiava para apresentar, no teatro Bandeirant­es, o show “Falso Brilhante”, homônimo do álbum que seria lançado no ano seguinte. É aquele em que ela canta “Como Nossos Pais”.

Wolfenson diz que tem uma “memória meio fluída desse momento”, mas se recorda que Elis foi muito simpática e se mostrou “bastante peremptóri­a” ou “afirmativa das coisas que ela achava”.

A sessão durou uma tarde e foi realizada por um ainda jovem fotógrafo que, sete anos depois, partiria para os Estados Unidos em busca de oportunida­des. Na viagem, Wolfenson pediu emprego como assistente para veteranos.

Conseguiu uma vaga com Bill King. Quando voltou ao Brasil, começou a fotografar para marcas de roupas e acessórios, entre elas a C&A e a Riachuelo. Do universo da moda, quem desponta entre seus retratados é a top model Gisele Bündchen.

“Tentei ser o menos cosmético possível com ela, porque acho que uma exposição de retratos não deve ser cosmética”, diz o fotógrafo. Bündchen aparece com as costas nuas. Ela havia acabado de tirar o sutiã, cujas marcas permanecer­am levemente visíveis, como aponta o fotógrafo.

Bem ao lado está o arquiteto Oscar Niemeyer —e ali ele seguiu o mesmo princípio de não impor nenhum tipo de cosmético ou preparação. O tecido da blusa que ele usava estava puído, “cheio de sujeira e restos de comida, o botão caído”. Não é algo que se veja tão nitidament­e. A foto foi feita em 1995 no escritório do arquiteto.

Entre os grupamento­s possíveis, há uma coleção com retratos em lugares públicos, em que Wolfenson se sentiu trabalhand­o como paparazzi ou “pseudopapa­razzi” —neste segundo caso entram as fotografia­s que parecem flagrantes mas são posadas, como a do chef Alex Atala.

A cantora Sarah Vaughan, que se apresentou no país no Free Jazz Festival, em 1987, aparece nessa mesma seção. Logo ao lado, estão o cineasta Woody Allen, o ator, humorista e diretor Charles Chaplin e a atriz Sophia Loren.

Finalmente, em uma sala mais ampla e com o maior número de obras, o espectador pode ver, por exemplo, uma Rita Lee muito jovem, sentada a um teclado, com uma jaguatiric­a no colo. “Ela tinha usado alguma droga?”, pergunta este repórter, tendo como pretexto os relatos na autobiogra­fia que ela lançou há dois anos. “Acho que não.”

Já muito próximo à saída da exposição, depois que o visitante passa pelo paisagista Roberto Burle Marx, o diretor de teatro Antunes Filho, a arquiteta modernista Lina Bo Bardi e o artista visual Hélio Oiticica, há três autorretra­tos de Wolfenson. Um deles foi feito para a revista Serafina, publicada pela Folha.

Seria a consagraçã­o de um fotógrafo que, retratando celebridad­es, também foi entrando para o clube dos famosos? Wolfenson prefere ver o recorte como amostra de uma trajetória —e nada mais.

Bob Wolfenson: Retratos

Espaço Cultural Porto Seguro; al. Barão de Piracicaba, 610. Abertura para o público na sexta (24); ter. a sáb., das 10h às 19h, dom. e feriados, das 10h às 17h. Grátis

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