Folha de S.Paulo

Monoglota e venerado, Bielsa acumula causos com seus tradutores

Técnico argentino comanda o Leeds United, da Inglaterra, e precisa da ajuda de um profission­al para as entrevista­s

- Bruno Rodrigues

SÃO PAULO Alguns dos grandes técnicos do futebol mundial, como Pep Guardiola, do Manchester City (ING), e Mauricio Pochettino, do Tottenham (ING), sempre param para ouvir o que Marcelo Bielsa, espécie de guru futebolíst­ico desses treinadore­s, tem a dizer.

Acontece o mesmo com os jornalista­s, sempre curiosos com as frases eloquentes e as pensatas do técnico argentino sobre futebol.

Porém, no caso, dos repórteres, parar e ouvir Bielsa significa enfrentar entrevista­s coletivas que duram às vezes mais de 40 minutos. O que se agrava quando ele comanda equipes de países cuja língua nativa não é o espanhol.

Como no Leeds United, da segunda divisão inglesa, onde trabalha há pouco mais de dois meses e precisa da ajuda de um tradutor para dialogar com jornalista­s e também com seus jogadores.

Depois de temporadas na Argentina, no México e na Espanha, além da seleção do Chile, o treinador foi contratado em 2014 pelo Olympique de Marselha (FRA), seu primeiro emprego fora do circuito castelhano do futebol.

Sem o domínio do idioma local, recorreu a um profission­al para auxiliá-lo no dia a dia. O francês Fabrice Olszewski, então, passou a acompanhar Bielsa. Mas com uma condição particular. Ele nunca havia sido tradutor.

“Eu sempre trabalhei no Torneio de Toulon [competição de seleções de base, no sul da França], e cada seleção tinha uma pessoa encarregad­a de servir com toda a estrutura. Em um ano, foi o Chile de Bielsa. Primeiro, ele pediu para que eu traduzisse uma entrevista dele ao presidente do Olympique. Depois perguntou se podia ajudá-lo com traduções de outras entrevista­s”, conta Fabrice à Folha.

O francês conheceu Bielsa por acidente. À época, seu emprego era numa startup do Chile de conteúdo de internet.

“Eu era da parte administra­tiva. Nunca fui tradutor”, diz ele, que tem alguma fluência no espanhol porque, além do trabalho, namorava uma chilena.

Mesmo sem experiênci­a nenhuma na função, Fabrice encarou o desafio de trabalhar com o argentino, conhecido por suas excentrici­dades e pelo rigor com o trabalho de todos nos clubes por onde passa, dos atletas aos cozinheiro­s.

“O mais difícil era traduzir os treinos. Tinha que correr atrás dele, usar a mesma entonação. E os jogadores esquivavam dele, mas não de mim. Teve jogador que me pisou”, lembra o novato tradutor, que se refere ao ex-chefe como “El Profe”.

No trato com a imprensa, o responsáve­l pela tradução tem tarefa difícil. Bielsa não é um interlocut­or dos mais comuns e usa termos que mesmo jornalista­s experiente­s não estão acostumado­s a ouvir no mundo do futebol.

Fabrice lembra do dia em que um jornalista chileno foi a uma coletiva e fez uma pergunta, em espanhol, ao treinador. Acostumado a traduzir imediatame­nte, ele repetiu a pergunta em castelhano sem perceber. Quando se deu conta, todos já estavam rindo, inclusive Bielsa, que pediu uma salva de palmas. “As coisas divertidas eram culpa minha, não dele”, recorda.

Marcelo Bielsa ficou pouco mais de um ano em Marselha. Deixou o Olympique após a primeira rodada do Campeonato Francês, em seu segundo ano no comando, por divergênci­as com a diretoria pela venda de jogadores.

Em julho de 2016, chegou a ser anunciado pela Lazio (ITA), mas deixou a equipe dois dias após o anúncio.

Em maio de 2017, assinou com o Lille (FRA) e ficou seis meses no cargo. No clube, Bielsa já não tinha mais Fabrice Olszweski, mas outro ajudante. Em comum com o primeiro, o fato de que ele também não era tradutor profission­al.

Salim Lamrani é professor, jornalista e ensaísta francês, doutor em Estudos Ibéricos e Latino-Americanos pela Sorbonne, da França, além de professor-titular pela Universida­de La Réunion.

Estudioso, é especialis­ta nas relações internacio­nais entre os Estados Unidos e Cuba, tendo publicado alguns livros sobre Fidel Castro (1926-2016).

Contratado pelo Leeds, Bielsa voltou a convocar Lamrani para ser seu tradutor. Dono de retórica complexa, precisava de alguém com domínio do inglês e capacidade de transmitir suas ideias.

Fabrice, o tradutor no Olympique, se afastou do futebol e diz que falar sobre Bielsa já lhe trouxe problemas, como quando afirmou que ambos quase chegaram às vias de fato após uma discussão.

“Ele se incomoda facilmente e eu, quando me incomodo, me incomodo para valer também. Depois disso fico tranquilo. Ele não, segue incomodado”, diz Fabrice. “O tradutor de agora é melhor que eu”, completa.

As entrevista­s do treinador, porém, seguem longas. E isso não parece ter a ver com os tradutores ou os jornalista­s, mas com o próprio Marcelo Bielsa, que não vai deixar de dizer, palavra por palavra, o que pensa sobre o futebol.

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Marcelo Bielsa, 63Nasceu em 21.jul.1955, em Rosário (ARG). Começou como técnico no Newell’s Old Boys e dá nome ao estádio do time

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