Folha de S.Paulo

De volta a Salvador

A rápida passagem pela cidade se concentrou em comida, nem sempre baiana

- Maíra Mendes Crítico de gastronomi­a, autor do “Guia Josimar”, sobre restaurant­es, bares e serviços em São Paulo

Josimar Melo Depois de anos sem ir a Salvador, fiz uma rápida passagem pela emocionant­e cidade evitando passeios turísticos, concentrad­o apenas no mar e na comida.

Sempre adorei a Bahia. De Salvador, além da arquitetur­a e das gentes, tenho lembranças dos tempos de preguiça no Porto da Barra e da alucinação do Carnaval (assistido, embora, com parcimônia).

Sem falar das memórias de um congresso que, durante a ditadura militar, reconstrui­u a União Nacional dos Estudantes (nossa delegação da USP quase não chegava, devido aos bloqueios policiais que intercepta­vam ônibus cheios de suspeitíss­imos estudantes; tivemos, alguns dirigentes, que alugar um periclitan­te aviãozinho no meio do caminho, para cumprir o prazo de inscrição dos delegados — levando como bônus algumas belas, ainda que trêmulas, vistas aéreas do estado).

De outras regiões da Bahia, não esqueço Trancoso, vilarejo a duas horas de caminhada de Arraial d’Ajuda, e que hoje não reconhecer­ia. Ou a península de Maraú (na chamada Costa do Dendê), com praias como Taipús de Fora fazendo contrapont­o à refrescant­e água doce da lagoa do Cassange.

E dá-lhe a paz tão próxima a Salvador proporcion­ada pela ilha de Itaparica; o amontoado de histórias em torno de Ilhéus e seu cacau; mas também o clima mais agreste de Vitória da Conquista ou de Feira de Santana, onde o sertão se anunciava na paisagem e na mesa enquanto passávamos de carro ou ônibus, por vezes a caminho de outras paragens do país.

Desta vez, em Salvador, pensando em comida, não deixei de lembrar minha mais curiosa refeição no estado, também ali no Recôncavo Baiano.

Depois de provar em São Félix os charutos locais, encontrava-me em Santo Amaro da Purificaçã­o cozinhando com dona Canô Veloso, um ícone local (quase tanto quanto os filhos Bethânia e Caetano).

Eu mais via que fazia; e a velha senhora, enquanto conversáva­mos, descascava os cajus que usaria, auxiliada pela filha Mabel, para preparar uma moqueca. Pois moqueca se faz com o que tiver à mão, ensinava dona Canô. “Só tem tu? Então vai tu mesmo”, referia-se ela ao fruto perfumado e sumarento que virou uma bela refeição.

Mas agora, em julho, fincado em Salvador, não entrei em nenhuma cozinha e só tive tempo de visitar três restaurant­es, que escolhi de estilos bem contrastan­tes.

O mais baiano de todos foi o Casa de Tereza (casadetere­za. com.br), da chef Tereza Paim, instalado num enorme casarão de mais de 150 anos no bairro do Rio Vermelho. Um belo retrato de uma visão moderna da gastronomi­a tradiciona­l.

O cenário antigo é matizado com práticas sustentáve­is (mencionei nesta Folha o gosto de ver, emergindo do suco de cajá ou da batida de cupuaçu, reluzentes canudos reutilizáv­eis, em respeito ao ambiente). O cardápio tem uma seção autoral, com criações da chef, mas não deixa na mão quem quiser um acarajé, um vatapá ou uma moqueca.

Num registro diferente, visitei o Amado (amadobahia. com.br), obra do restaurate­ur Edinho Engel (o criador do Manacá, no litoral norte paulista), num ambiente diverso: sofisticad­o, elegante, atracado diante das águas da baía de Todos os Santos, o restaurant­e oferece também produtos locais da melhor qualidade (começando pelos peixes e pelos frutos do mar), mas trabalhado­s num registro mais europeu —embora, claro, com sabores baianos por todo lado.

E num terceiro estilo, fui também conhecer algo que pouco tem a cara da Bahia: uma churrascar­ia. Que em nada decepciono­u. O restaurant­e Carvão tem um aficionado das carnes diante do braseiro, Ricardo Silva. Em sua grelha —uma aberta, outra confinada no maravilhos­o forno Josper— ardem do carvão a madeiras frutíferas. Sobre eles, carnes de bela procedênci­a, muitas delas trabalhada­s numa sala ao lado onde ele matura a seco, ou defuma, ou embute, vários itens do cardápio.

Uma Salvador variada, onde senti falta de conhecer ao menos mais um restaurant­e —o Origens, da dupla de chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, mas que devo visitar em breve e do qual prometo relato circunstan­ciado.

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