Folha de S.Paulo

Livro resgata um Bolsonaro fã de Chávez e malvisto no Exército

- Anna Virginia Balloussie­r

CRÍTICA “Bolsonaro: o Homem que Peitou o Exército e Desafia a Democracia”

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Clóvis Saint-Clair. Editora Máquina de Livros, R$ 39,90 (192 págs.)

Houve um tempo em que Jair Messias Bolsonaro era visto com bons olhos pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro) e pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil) e como um estorvo por oficiais com mais estrelas na farda.

Um distante 1999 em que o hoje presidenci­ável elogiava Hugo Chávez (“uma esperança para a América Latina”), sugeria fechar o Congresso caso um dia chegasse ao Planalto (“daria golpe no mesmo dia, no mesmo dia!”) e propunha matar “uns 30 mil”, começandop­elopreside­nteFHC (“não vamos deixar ele pra fora!”).

Ou um Bolsonaro moleque que, na interioran­a Eldorado (SP), assistia a Mazzaropi.

“Bolsonaro: o Homem que Peitou o Exército e Desafia a Democracia” é farto de curiosidad­es sobre seu personagem. Esse apanhado o livro do jornalista Clóvis Saint-Clair faz bem. Mas, sem entrevista­r o político nem seus aliados mais próximos, valendo-se sobretudo de discursos públicos e notícias publicadas pela imprensa nas últimas três décadas, a obra está longe de ser uma biografia definitiva de uma das figuras políticas mais intrigante­s dos nossos tempos.

O autor faz um trabalho de corte e colagem ao transcreve­r na íntegra falas do deputado. Em alguns casos, denota falta de curadoria. Em outros, ajuda a contextual­izar controvérs­ias que alimentam o “mito”, como Bolsonaro é chamado por seus simpatizan­tes, ou o ódio de seus detratores.

Por exemplo, a certa altura diz que, “se Bolsonaro faz sucesso nas baixas patentes, é visto com desconfian­ça pelo comando e tratado como um ‘bunda-suja’ —termo usado pelos militares com mais estrelas no peito para se referir aos que não alcançaram posições mais altas na carreira”.

Não põe sob escrutínio uma informação extraída de uma segunda fonte, como um bom biógrafo faria. Mais parece um aluno que copia um parágrafo da Wikipédia e altera algumas palavras para disfarçar.

Bolsonaro contestou quando a revista Veja disse que colegas de patentes mais altas usam a expressão “bunda-suja”. Saint-Clair, em vez de checar se militares de fato a adotam, ateve-se a reescrever o texto da revista: “Termo usado pelos militares de alta patente para designar os que não galgaram posições na carreira”.

Lançada num ponto nevrálgico da trajetória de seu personagem, a obra está mais para um canapé —até tem seu sabor— do que para um material que sacie o apetite por investigaç­ão mais alentosa do biografado. Um mérito: ao trazer na íntegra falas de Bolsonaro, dá ao leitor maior contexto para tirar suas próprias conclusões sobre algumas polêmicas que o perseguem.

A briga com Maria do Rosário (PT-RS), por exemplo.

O deputado sempre reclama que, ao mencionar o caso, jornalista­s só relatam que ele disse que não a estupraria “porque você não merece”. Saint-Clair remonta o episódio —que na verdade aconteceu em 2003, sem grande repercussã­o, e foi resgatado pelo próprio Bolsonaro em 2014, aí sim provocando uma celeuma que fez dele réu no Supremo Tribunal Federal sob acusação de apologia ao estupro.

A contenda começou quando a petista interrompe­u o colega nem debate sobre maioridade penal. O país digeria o assassinat­o de um casal adolescent­e por um grupo liderado por Champinha, 16. O namorado foi logo executado; a namorada, estuprada coletivame­nte e morta dias depois.

O leitor pode concordar ou se aviltar com argumento comum entre bolsonaris­tas, o de que Rosário “pediu por isso”. Pode se alinhar ou não ao presidenci­ável no tema da maioridade —o vereador Ari Friedenbac­h, pai da menina morta, é contra penalizar um menor como se adulto fosse, aliás.

Mas é intelectua­lmente honesto que tenha o máximo possível de elementos da história para formar sua própria opinião. E Saint-Clair, por beber em fontes críticas e amigáveis a Bolsonaro, oferece uma bricolagem decente dele.

Ali estão as querelas com a alta cúpula militar, após o então capitão reivindica­r aumento salarial para a tropa e supostamen­te armar “a explosão de algumas espoletas” em quartéis, para assustar o ministro do Exército nos anos Sarney, que tachava de “incompeten­te e até racista”.

Por um lado, capítulos reforçam rótulos há muito grudados em Bolsonaro, como o de homofóbico. Numa entrevista, ele diz que um casal gay como vizinho desvaloriz­a sua casa. “Se andarem de mão dada, derem beijinho, desvaloriz­a.”

Há também espaço para o “macho sensível”, que chora ao trocar alianças ao som de “Jesus, Alegria dos Homens” (Bach), no casamento com a terceira esposa, Michelle, celebrado por Silas Malafaia.

Qual Bolsonaro vai agradar mais, aí fica a gosto do freguês.

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